Lição de Copa do Mundo: Como não abrir uma entrevista em momento de crise
Como perfeição é um ideal impossível de ser alcançado, sobram as falhas que são comuns a todos. E entre todas as mancadas que cometi ao longo da minha vida como repórter esportivo, tem uma que considero a mais emblemática, pela lição de percepção jornalística. Foi na cobertura da preparação da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 1986, no México.
No treino coletivo apronto para um jogo amistoso contra a Finlândia, o goleiro Emerson Leão, do Palmeiras, declaradamente aborrecido por estar na reserva de Carlos, do Corinthians, levou um gol no meio das pernas em jogada de habilidade do atacante Careca, do São Paulo. Pois é, naquela época era assim: a maioria dos nossos jogadores jogava no Brasil mesmo. A Rádio Globo, do Rio, transmitia o treino ao vivo e o lance foi narrado assim pelo repórter Eraldo Leite: “Golaço de Careca com frangaço do goleiro Leão”. Famoso também por atitudes truculentas fora de campo, além de excelente jogador, Leão ouviu a narração do lance do gol e reagiu imediatamente e com dedo em riste: “Eraldo, pode esperar. Eu vou te pegar”.
Quando o treino terminou, Leão seguiu com os demais jogadores da Seleção para o vestiário, como se nada tivesse acontecido, e ninguém mais falou sobre o assunto. Aliás, nem todo mundo, porque eu, por inexperiência e empolgação, quis fazer daquele acontecimento a minha pauta principal do programa da Record naquele dia e tive a infeliz ideia de convidar o Leão para entrar ao vivo. Do nosso estúdio em São Paulo, o chefe de produção, o jornalista Edson Scatamachia, ainda me alertou: “Olha, cuidado com o Leão. Ele pode te deixar na mão”.
Fui alertado por quem tinha muito mais experiência de vida e de profissão, mas confiei na minha boa relação com Leão no Palmeiras, o convidei e ele aceitou. Exatos três minutos antes das 18 horas, horário do programa, chega o goleiro Leão já de banho tomado e de cabeça fria. Ao vivo, em São Paulo, o narrador Osvaldo Maciel fez a abertura do Programa Record Esportes, anunciou a entrevista e logo me acionou direto da concentração da Seleção Brasileira na Toca da Raposa, em Belo Horizonte. E eu entrei de sola: “Leão, boa noite! Como foi esse seu entrevero com o repórter Eraldo Leite?” Fiz a pergunta e veio aquele silêncio. Microfone aberto e o Leão parado na minha frente, ficou olhando na minha cara por alguns instantes, virou as costas e foi embora. Não falou uma só palavra e eu fiquei com a cara no chão e sem entrevistado.
Naquele dia eu pude aprender que no jornalismo em certos momentos a objetividade pode ser fatal, ou seja, nunca abrir uma entrevista polêmica com entrevistado polêmico pelo assunto que se quer abordar.