Após 3 anos sob regime especial, começa estudo para tombar Hotel Americano
Só quem tem o tempo de olhar para cima percebe a arquitetura estilo art déco na esquina da 14 de Julho com a rua Cândido Mariano, no Centro de Campo Grande. Desde 2010, o prédio do Hotel Americano está sob regime especial de proteção histórica, não pode sofrer alterações. Assim, vem definhando com o tempo e a falta de atenção.
Agora, a prefeitura abre processo para tombamento como patrimônio histórico e cultural do município, nomeando os primeiros peritos que vão verificar as condições estruturais e a importância do prédio de 1939.
Ao saber da possibilidade, a primeira imagem que salta da memória do vendedor de coco Valdir da Silveira é da calçada ainda de paralelepípedos em frente ao Hotel. “Fecho o olho e vejo. Era uma época que interditavam a 14 para os carros e o povo vinha passear no fim de semana”, lembra o senhor que tem a idade do prédio, 74 anos.
Para o vizinho, Armando Ali, dono de uma loja de produtos infantis ao lado do antigo Americano, a lembrança é das “janelas abertas”. “Ficava tudo aberto. Depois foi suspendendo o atendimento, parando tudo e fechou”, comenta o empresário.
Apesar do interior ser um mistério, porque nunca mais os proprietários (que hoje vivem em Santa Catarina) deixaram a curiosidade entrar no prédio, a fachada preserva os símbolos da arquitetura déco dos anos 30, com as linhas verticais, o revestimento em massa de pó de pedra, misturado ao pó de mica, para garantir a cor vermelha, cintilante.
Há também histórias, revela o jornalista Celso Bejarano, que morou no Hotel por dois anos. Uma das “lendas” é de que um dia Che Guevara se hospedou no Hotel Americano, antes de seguir para a Bolívia, onde acabou morto.
Celso lembra da escada estreita, iniciada na pequena porta de ferro que dá acesso à rua. “Aquela escadaria tinha até um romantismo. Depois, a gente virava à esquerda e entrava em outro período da história”.
Os quartos, com “cheiro de velho”, conta o jornalista, tinha de mais moderno uma TV de botões, do tempo em que controle remoto ainda não era usado em grande escala. “Era tudo robusto, antigo. A cozinha tinha os armários, mesas e cadeiras antigas preservadas”, recorda.
O imóvel, desenhado pelo arquiteto Frederico Urlass, ficou durante anos disponível para aluguel. Começou a ser reformado para abrigar uma clinica odontológica, mas o regime de proteção impediu que a obra continuasse e o prédio permanece fechado desde então.
Para quem já viu vários imóveis perdidos ali pelo Centro, o reconhecimento como patrimônio é imprescindível, mas não só isso. “Tem de tombar, mas também transformar em um espaço vivo, que traga gente para visitar e tirar fotografia. Precisamos de pontos que tragam as pessoas para o Centro”, reforça a vendedora Luci Vidal, que há 23 anos trabalha em uma loja de roupas femininas na 14 de Julho.