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Arquitetura

Cobiçada, é impossível comprar casa onde árvore é só uma das relíquias

Acácia de 60 anos foi plantada pela dona, mas é só um detalhe em lugar com histórias desde a 1ª Guerra Mundial

Ângela Kempfer e Thailla Torres | 25/10/2022 06:21
Acácia foi plantada há mais de 60 anos e é uma das maiores relíquias da casa. (Foto: Ângela Kempfer)
Acácia foi plantada há mais de 60 anos e é uma das maiores relíquias da casa. (Foto: Ângela Kempfer)

“Rainha” do Monte Castelo, Phaenna Correa da Costa se recusou até a ouvir propostas quando as maiores construtoras da cidade tentaram comprar uma das casas historicamente mais impressionantes de Campo Grande. É rainha não por título oficial, mas pelo poder que dá às memórias, pela sofisticação da palavra, pela forma de receber com a cortesia aprendida durante os 92 anos de vida.

Pelas paredes e móveis cheios de saudades, ela espalha a estima pela família, pelas histórias, pela vida. “Olha como minha mãe era linda”, comenta, apontando para um dos porta-retratos e 100% correta na avaliação sobre a beleza de Adalgisa de Almeida Prado.

Ela também não abre mão da casa pela rotina de sentir o vento entrando pelas grandes janelas e portas de madeira, a maioria feita pelo próprio filho, Alvino.

Sala cheia de peças de família e recordações de viagens. (Foto: Ângela Kempfer)
Sala cheia de peças de família e recordações de viagens. (Foto: Ângela Kempfer)

Na esquina mais verde da região, a entrada lembra a poesia de Manoel de Barros. “O homem que possui um pente e uma árvore, serve para poesia”. No caso de Phaenna, a árvore é uma acácia de 60 anos. “Eu mesma plantei”, faz questão de dizer orgulhosa pela beleza dos galhos que se espalham pelo quintal e já cobrem a antiga garagem que agora é o ateliê de bordados e enxovais.

Com cortinas de renda e um armário azul, o lugar já foi mais movimentado, diz ela, mas as peças continuam lá, com o bordado que ajudou a ocupar a cabeça, principalmente, depois da morte do marido em um acidente, aos 65 anos, do qual a esposa sobreviveu.

Embora os quintais estejam em extinção, o da família Corrêa da Costa ocupa a maior parte dos 6 mil metros quadrados da propriedade.

Casa principal, com janelas feitas pelo filho dos proprietários. (Foto: Thailla Torres)
Casa principal, com janelas feitas pelo filho dos proprietários. (Foto: Thailla Torres)

Ali, um dia, o pai perguntou aos 5 filhos: “Vocês querem uma piscina ou uma casa de bonecas?”. Em vantagem, as 3 meninas venceram a competição e até hoje a casinha segue em pé, sem a água para o mergulho dos garotos. “Depois aumentamos e eu passei a morar ali”, lembra o filho.

Hoje os vestígios pelo gramado são do neto temporão, de 4 anos, que estacionou a motoquinha e não deixa desarmar o pula-pula.

Phaenna recusa fotos dela, mas junto do filho Alvino nos recebe em uma sala repleta de porta-retratos, com avós, tios, irmãos... "Os Corrêa da Costa têm uns 300 anos aqui na cidade", contabiliza Phaenna que na verdade representa a outra parte das fotos, os Almeida Prado.

A curiosidade me leva ao quarto principal, com móveis de décadas e um caderno grande, aberto ao lado da cabeceira. “Eu anoto toda a minha rotina ali, a cabeça já não funciona tão bem”, explica.

Dona Phaenna abrindo as enormes portas que levam ao passado das festas na casa. (Foto: Thaila Torres)
Dona Phaenna abrindo as enormes portas que levam ao passado das festas na casa. (Foto: Thaila Torres)

Mas a surpresa vem com o abrir de duas portas enormes que parecem viver fechadas. O encantamento é instantâneo. Tudo parece ter som, perfumes, risos de quem um dia tocou em uma daquelas peças de metal, porcelana, vidro e tecido.

O primeiro espaço é uma sala de jantar enorme, com ar imperial. Pode parecer exagero, mas o sentimento não é feito apenas de ver, mas de imaginar todas as celebrações que passaram por ali.

A beleza da mãe de Phaenna, dona Adalgisa de Almeida Prado. (Foto: Thaila Torres)
A beleza da mãe de Phaenna, dona Adalgisa de Almeida Prado. (Foto: Thaila Torres)

Em seguida, o grande salão principal ganha luz com as janelas abertas também por Phaenna. Ali, ela fica à vontade, fala sobre a história de cada detalhe, de peças trazidas do Egito, da França, dos Estados Unidos e de todos os lugares que conheceu.

Mas Phaenna pede licença para mudar o tema que deu origem à visita porque, para ela, a exuberância ocupa outro lugar. “Falar sobre a casa aqui é o de menos, o que importa é a história”.

Novamente, olhando para o quadro pintado da mãe, ela mostra o quanto aquela mulher foi importante na vida da filha. “A história dela valeria um livro. Organizou a primeira reunião feminista de Campo Grande”, revela.

O pai recém-formado, voluntário na 1ª Guerra Mundial. (Foto: Thailla Torres)
O pai recém-formado, voluntário na 1ª Guerra Mundial. (Foto: Thailla Torres)

O pai também foi herói da menina que cresceu aprendendo o valor da coragem. Na 1ª Guerra Mundial, o médico alagoano Manoel Taurino do Carmo se alistou como voluntário para tratar os feridos. Mas quando o conflito acabou, a França enfrentou a gripe espanhola. “Participou da criação do um hospital de médicos brasileiros para tratar dos franceses. Por isso ganhou várias homenagens”.

Tudo é guardado com tanto respeito que não há pó, só cuidado e luz, como o significado do nome grego da proprietária que, segundo o Google, é o mesmo que "brilhante".

Na despedida, novamente a árvore gigante fala mais do que qualquer palavra. É como se a acácia ensinasse Phaenna a se renovar na calmaria.

Sala de jantar, intacta, com as peças de mais de 60 anos. (Foto: Ângela Kempfer)
Sala de jantar, intacta, com as peças de mais de 60 anos. (Foto: Ângela Kempfer)
Acácia agora cobre antiga garagem.. (Foto: Ângela Kempfer)
Acácia agora cobre antiga garagem.. (Foto: Ângela Kempfer)

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