Diferentes eras da arquitetura sobrevivem, enquanto Centro se moderniza
Com modelos do ecletismo ao moderno, prédios localizados da rua 14 de julho mantém estruturas originais.
Diferentes tempos da arquitetura sobrevivem na Rua 14 de Julho, enquanto o Centro de Campo Grande é revitalizado. Lá se vão 120 anos de muita história e mudanças, principalmente, no corredor comercial mais famoso da Capital. “As primeiras construções começaram na década de 1910, com as taipas, que é uma trama de madeira e barro”, explica a arquiteta e urbanista, Isabela Xavier.
Depois, chegou a alvenaria, método de construção que tranformou as cidades. Na época, as casas e prédios foram levantados com diferentes referências, que em sua maioria se caracteriza pelo estilo eclético, com elementos anteriores. “O ecletismo é quando se vê frisos e molduras”, explica Isabela.
Na 14 de Julho, esquina com a Rua Dom Aquino, um exemplo do estilo, mas com dose de modernismo nas linhas retas. O projeto misturou a estrutura vertical com adornos e enfeites muito usados no ecletismo.
Também na 14, esquina com a Marechal Cândido Mariano, outra resistência do ecletismo é o edifício com adornos e frisos na parte superior, que marca o modelo da época. Atualmente no local funciona um loja de moda feminina, pintada nas cores alaranjada e creme.
O art decó é outro estilo, vindo da Europa na década de 1920. Um dos principais patrimônios da cidade na esquina com a Marechal Cândido Mariano, o antigo Hotel Americano, segue esses traços que respeitam a simetria, com linhas simples e formas geométricas no lugar dos arabescos.
Foi construído em 1930 e considerado o primeiro prédio de três andares. Portanto, o mais alto edifício da cidade naquela época. Foi projetado pelo arquiteto Frederico João Urlass. Ainda hoje é possivel ver o revestimento de pó de mica avermelhada, vindo da região de Porto Murtinho.
Em fevereiro deste ano, a Justiça proibiu os proprietários do edifício de qualquer obra ou intervenção na estrutura do imóvel sem autorização dos órgãos municipais, pela importância história para Campo Grande. É uma das melhores mostras da mescla de influências do futurismo e do exótico dos velhos tempos.
Na esquina com a Dom Aquino, onde funciona a loja de roupas BLM, está outro prédio assim. É possível notar os traços mais arredondados na parte superior, com frisos verticais e horizontais que marcam a fachada do local.
A arquitetura moderna chegou por volta da década de 1960, 1970 e uma das suas características mais marcantes é a falta de ornamentações. São os prédios com estruturas verticais, com planos frontais retais e podem ser encontrados na rua 14 de Julho, esquina com a Dom Aquino, do lado esquerdo, sentido centro/bairro. No prédio onde funciona a loja de roupas Mulato’s. Ao avistar o local é possível notar a fachada de formas simples.
“As construções foram evoluindo de acordo com o que era oferecido de materiais. Foi mudando a história da arquitetura em si, para hoje em dia que se têm panos de vidros, estruturas metálicas”, diz Isabela, se referindo ao modelo mais contemporâneo.
Para ela que é arquiteta e urbanista da Sectur (Secretaria de Cultura e Turismo), a história de um povo pode ser resgatada através da arquitetura. “É através das memórias, das ações manifestadas na arquitetura e cultura, que a gente tem a história de uma população. Se simplesmente apaga-se e constrói tudo de novo, a gente se perde. Não tem como mostrar como era, daí a importância da preservação da arquitetura”, frisou.
Novos ares - A 14 de Julho aos poucos ganha novos ares. A rua, antes larga, deu espaço a calçadões e outras séries de modificações. Ontem (20), ocorreu o diálogo “Resgatando a história da Rua 14 de Julho”, realizado pela Associação Comercial e Industrial de Campo Grande. Em seguida, foi realizado um passeio pela rua. O arquiteto, Cristiano Almeida conduziu a visita, ao lado da também arquiteta e urbanista Neila Janes Viana Vireira, mestre em Meio Ambiental e Desenvolvimento Regional.
O grupo passou pela 14, entre a 15 de Novembro e a Maracaju. Cristiano explicou que o projeto “Reviva Campo Grande”, manteve o asfalto CUBQ (Concreto Betuminoso Usinado a Quente), no trecho da Avenida Afonso Pena com a Avenida Fernando Corrêa da Costa. “A obra ainda vai retirar toda a fiação externa e colocar as galerias subterrânea que está sendo preparada”, lembra Cristiano.
A obra está modernizando a região, mas ainda com estilo do interior. O trecho entre a Avenida Afonso Pena e Maracaju ganhou a estética dos tempos de paralelepípedos. “Por ser uma área mais movimentada, ficou tipo um calçadão”, conta Cristiano. O Centro agora contará com lixeiras fixas, bancos, e as obras continuam a todo vapor. A expectativa é de que os trabalhos terminem em novembro deste ano.
Alguns locais já foram liberados, como o trecho entre as Ruas Maracaju e Antônio Maria Coelho, onde já estão instalados os bancos e as lixeiras de concreto. Conforme Cláudio, ao final das construções serão plantadas árvores do Cerrado, para fazer sombra. A proposta é deixar o espaço ainda mais atrativo.
Nomes - Conforme Isabela, o nome da rua é em homenagem a queda da Bastilha, proposta pelo vereador Miguel Garcia Martins entre 1909 e 1911. “Significou um marco para a humanidade quando os franceses se insurgiram contra a tirania real, iniciando o movimento conhecido como Revolução Francesa, que influenciou no comportamento dos povos ocidentais”, disse.
Em 1930, passou de 14 de Julho para Aníbal de Toledo, depois mudou para João Pessoa. Já em 1941 a rua volta a denominação original. “Ela recebeu seu principal calçamento no final dos anos 20. Na confluência da 14 com a Avenida Afonso Pena foi inaugurado o famoso relógio, em 1933”, lembrou. O relógio foi demolido em 1970.
Isabela relatou que o trecho da 14, entre a Marechal Rondon e a Maracaju, chamava-se Baixada. “É que a rua formava um vale, onde deslizava um pequeno córrego no sentido Leste-Oeste, que nos dias de chuva mais intensa extravasava, causando estragos aos moradores”
Para a estudante, Gabrielle Caroline Arevalo de Souza, 21 anos, a reforma da rua é importante para o desenvolvimento da cidade e da cultura. “Vai valorizar esses patrimônios que trazem as pessoas para se envolverem mais. A sociedade não consegue valorizar, pois não tem esse conhecimento. Às vezes, toda valorização cultural de patrimônio precisa mudar um pouco para as pessoas valorizarem. Fazer uma mudança ou outra pode ajudar, e não prejudicar”, destacou.
Já para o acadêmico de arquitetura, Guilherme Cigerza, 19 anos, antes da reforma até a acessibilidade estava complicada. “Estava ruim de andar lá. O Reviva tem a função das ruas, mas isso é um resultado a longo prazo. Na 14 tem muitos edifícios ecléticos que misturam estilos e passaram por transformações que surgiram outros modernos. Tem essa miscigenação, e hoje, se vê as pessoas mudando as fachadas dos locais, que atribui uma aparência diferente do que era antes”.
O diretor de planejamento ambiental da Planurb (Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano), Rodrigo Giansante, comenta que a reforma da 14 desperta curiosidade. “A revitalização não só do espaço como o resgate da história. Se requalifica o espaço e dá nova identidade, trazer isso é justamente dar vida pra cidade. Toda alteração impacta primeiro pela curiosidade. Temos a 14 como um corredor emblemático”.