Maurício Arruda prova que não se pode dar as costas para a história do morador
Arquiteto falou sobre projetos viáveis e uma nova visão sobre a sustentabilidade, que tornam a arquitetura mais acessível
Nas redes sociais ou programas de televisão que envolva arquitetura, designer e paisagismo, alguns projetos são sonhos de muita gente, mas há quem fuja da transformação por associar o trabalho a preços absurdos. Nesta hora, a sensibilidade do profissional que parecia muito mais distante mostra o poder de uma arquitetura acessível e conectada com os reais desejos do morador.
Relações como essa foram temas da palestra do arquiteto Maurício Arruda, no Casa Cor Talks, evento da Casa Cor Mato Grosso do Sul, realizado nesta quarta-feira (2), em Campo Grande. Conhecido por criar, executar e apresentar as transformações feitas no programa Decora, do canal GNT, Maurício falou sobre a carreira na arquitetura, inovação, sustentabilidade e o cliente como verdadeiro protagonista do projeto.
Maurício mostrou que arquiteto, designer e paisagista não podem ser indiferentes ao que conforta de maneira particular o cliente. Por isso, falou sobre projetos viáveis que consideram a história do morador e não somente o portfólio que o profissional almeja. “Nosso trabalho é transformar o sonho de uma família em algo real, não jogar um balde água fria. Quando o cliente chega ao escritório com R$ 30 mil ou R$ 3 mil a proposta é viabilizar esse sonho”, explica.
Isso, rotineiramente, não acontece, porque há ilusão que o profissional “precisa vender algo inatingível, caro, à espera do cliente rico”, diz o arquiteto. “A gente fica tentando encaixar nosso escritório nesse padrão de assinatura, mas esse universo é pequeno. É importante entender que do outro lado existe um monte de clientes querendo fazer algo diferente, customizado e com custo menor”, explica.
Uma estante antiga, com história de um familiar, ou o momento mais importante vivido dentro da casa, as memórias da infância, relação com os filhos ou o que o morador deseja sentir ao chegar a casa, podem ser um leque de possibilidades para o profissional criar um projeto original. Ao entender os problemas e se apropriar da história do morador, o projeto não só ganha o DNA do cliente, mas também uma atmosfera afetiva. “Complexidades, subjetivares e simplicidades são as riquezas que a gente tem que usar no projeto. Não se pode colocar a história da pessoa na despensa? Você tem que colocar na sala ou no ambiente que ela mais gosta. Não cabe ao arquiteto julgar o que é bonito, mas colocar história das pessoas dentro projeto”, diz.
E a afetividade está intimamente ligada à sustentabilidade provou o arquiteto. Uma vez que se cria uma relação com o projeto, com detalhes do design de interiores e objetos que compõe a arquitetura dos ambientes, isso também é pensar em projetos sustentáveis, tema contemporâneo, que também ganhou um novo significado. “A sustentabilidade é uma forma de viver, de maneira que quem vive junto ou quem vier depois tenha uma vida tão legal, ou melhor, mas nunca pior. Sustentabilidade hoje é pensar no outro e no futuro”.
E pelos projetos a sustentabilidade aparece de várias maneiras, não somente nos jardins com sistema de gotejamento ou placas solares. “Um aspecto lindo da sustentabilidade que é a afetividade, ou seja, coisas que você não consegue desapegar. A gente precisa criar essa sensação para os clientes. É o tocando afetivamente que você cria um projeto menos descartável”.
Em 2018, a Casa Cor MS chegou com muito mais referência que nas edições anteriores. A conexão entre luxo e materiais rústicos foi um dos pontos percebidos ao longo dos 1,8 mil metros quadrados ocupados pela mostra de arquitetura. O conceito “Casa Viva” marcou a vontade de vida dentro de uma casa. Embora ninguém saiba o tema da edição 2020, Maurício deixou claro que a oportunidade de se trabalhar com vidas e histórias dentro de um projeto não pode ser desperdiçada.
“Aproveite a oportunidade de contar uma história que ainda não foi contada porque ninguém quer ouvir a piada duas vezes. Não perca a oportunidade de fazer um projeto realizando algo que alguém já fez. Estamos atrás de algo que não vimos ainda”, diz se referindo a projetos que, na maioria das vezes, trazem inspirações que nada tem a ver com cultura brasileira e diversidade que ela oferece ao profissional.
Se atentar as brasilidade é uma dica bacana para quem está começando ou quer fazer diferente. Maurício menciona as tendências da arquitetura escandinava, que conquista por ambientes que tendem a ser aconchegantes e acolhedores. Mas, que nos últimos tempos, deixou o perfil brasileiro de lado. “O problema é que transformamos essa referência numa imagem de Pinterest e queremos colocá-lo, até numa casa na Bahia. Então é o momento de se olhar no espelho e entender o que o design e arquitetura brasileira têm a oferecer”.
Ele destaca que brasileiro é urbano, colorido, senta no chão, recebe na cozinha, fala ‘entra e não repara a bagunça’, dá dos dois beijinhos, às vezes, três, é coletivo, comunicador, musical e ama comida. Essa pluralidade em meio ao caos de dúvidas sobre o que criar e transformar podem ser a verdadeira solução para um grande projeto. “É isso que precisa ser explorado. Para mim, se o design brasileiro precisasse ser definido, seria o cheiro do café passando, com aquela sensação de estar em casa e de que ali é o meu lugar. Então a gente precisa descobrir essas coisas e parar dar as costas para nossa cultura”.
Sem deixar de ser racional, Maurício provou ser uma pessoa normal e que não chegou ao sucesso no primeiro projeto. Enfrentou falta de clientes, ficou por muito tempo no negativo e levou muito não até entender que a arquitetura não é só fazer bonito, mas fazer aquilo emociona e cria relação com o ambiente. “O cliente vai trazer as melhores respostas, de maneira desorganizada, mas o profissional precisa entender que só ele sabe dizer como gosta de viver e onde é o coração da casa dele. Ou seja, quer um projeto que seja sua cara? Então faça a sua casa”, ensina.
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