Na Rua dos Ferroviários, casa resgata estilo do começo do século
Thiago Martins demorou três anos para reformar a casa onde vive, usada por ex-trabalhadores do Conjunto Ferroviário
A história da Esplanada Ferroviária de Campo Grande ainda permanece viva da cabeça dos moradores da região. Isso porque as casas ao redor do conjunto são formadas em sua maioria por ex-ferroviários, que compraram as casas onde habitavam quando trabalhavam nos trens.
Ao longo de mais de 100 anos de história, muitas dessas casas foram completamente descaracterizadas pelos vários moradores que passavam por lá, porém, hoje, se passar pela Rua dos Ferroviários, no Cabreúva, é possível ter uma ideia de como eram as casas no começo do século, quando o conjunto ferroviário foi criado.
Filho de ferroviários, o analista de sistemas Thiago Martins, de 36 anos, que mora na rua há 30 anos, comprou uma casa ao lado da casa de sua família, restaurou e hoje mora com a esposa e filha pequena. A reforma foi toda feita com intenção de resgatar o estilo arquitetônico original.
É importante contextualizar uma coisa antes. As casas da região, apesar de serem quase todas usadas pelos então ferroviários não eram todas iguais e com a mesma qualidade. Existe uma parte, mais próxima à Feira Central, onde as residências são todas de material, utilizadas geralmente por funcionários de hierarquia mais altas dentro do corpo de funcionários da ferrovia.
Já na Rua dos Ferroviários as casas eram todas de madeira, um material mais suscetível ao efeito do tempo, por isso quase não há uma casa que não tenha sofrido algum tipo de alteração ou que quase tenha vindo abaixo.
A casa de Thiago, ao que ele pode pesquisar foi, provavelmente, construída no mesmo ano do Conjunto, por volta de 1914. Sua família se mudou para a rua na década de 80, residindo desde sempre numa casa ao lado de onde o analista vive hoje.
“Eu passei a minha infância aqui nessa rua. Até hoje tem meus pais que moram aqui do lado, onde sempre morei também, mas também tenho tios, primos e amigos”, diz Thiago que preferiu não mostrar o rosto por questão de segurança, já que a região é também historicamente acometida pela ação de pequenos criminosos.
A casa de Thiago ficou durante muitos anos abandonada até que sua avó a comprou em 2008. Logo depois, em 2010, seu irmão comprou da vó, que vendeu para Thiago logo em seguida, em 2011.
Já namorando e com a ideia de casar, Thiago começou o longo e burocrático processo para reformar e restaurar a casa. Isso porque a região do entorno da Esplanada é tombada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e só pode passar por reforma com autorização prévia.
O projeto de reforma da casa de Thiago foi submetido ao IPHAN em 2011 mesmo, sendo um dos primeiros da rua a solicitar uma restauração nesses moldes. Daí, até a casa ficar pronta, passaram-se longos três anos, resultando no modelo como está hoje.
“Ela estava caindo aos pedaços, estava deteriorada, tudo podre, tanto dentro quanto fora. Na fachada o projeto foi feito igual, inclusive era exigido que a madeira fosse igual. O que eu consegui e usei a mesma, porque conforme a gente ia tirando as madeiras, elas iam trincando”, explica o morador.
A fachada é a parte da casa que mais remete ao estilo original. Apesar do projeto prever, não foi possível usar apenas as madeiras originais justamente porque muitas quebravam ao serem retiradas e não havia mais condições de reutilizá-las.
Além das madeiras no mesmo estilo original, o projeto resgatou vários adornos antigos. As janelas voltaram a ser madeira também, diferente das de ferro que tinham sido colocadas antes. Todas possuem toldos com mãos francesas no modelo do começo do século passado. As janelas laterais, além dos toldos, foram acrescidas floreiras para decoração.
O interior é 80% de material, como dissemos, uma característica comum por conta do tempo. Porém, portas e alguns móveis são originais.
Na pequena varanda da frente foi colocado ladrilho hidráulico também no estilo original, que não existia. “Não conseguimos colocar igual, porque tem muita coisa que não dá nem pra ter ideia de como era, mas sabíamos que o piso levava esse material, então usamos o mesmo”.
No fundo da residência, Thiago fez algumas adaptações interessantes. Aproveitando um pequeno depósito, ele criou uma estrutura com uma escala lateral que virou uma espécie de mirante com vista para a Esplanada. “Eu gosto de vir aqui meditar, olhar a paisagem, passar o tempo. Também lembro muito da minha infância, quando brincava por esse gramado”.
A história da Esplanada, principalmente da Rua dos Ferroviários, se funde com a de Thiago. Ele casou no ano que se mudou para casa nova, em 2014. Seu ensaio de casamento foi todo feito nas dependências da Esplanada.
“Eu fico muito contente de poder continuar aqui, de poder ajudar a preservar a história de um lugar tão importante pra mim e pra minha família. Também fico feliz de poder permitir que minha filha passe a infância onde eu passei e seja feliz como eu fui”.
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