Prédio construído em 8 anos já foi manchete de jornal como símbolo de glamour
O edifício da família Neder é uma das primeiras construções modernas da cidade e chamou atenção pelos "15 andares de progresso"
Construído pelos Neder na década de 1960, o Edifício que leva o mesmo nome na família fica no coração de Campo de Grande. Leva quem atravessa a porta de vidro a uma viagem no tempo que começa no saguão, revestido em painéis de ipê e placas de mármore carrara, também presente no piso e no balcão da recepção, onde somos recebidos pela subsíndica Cleonice Bloss e pelo animado Wilson, porteiro ali há 28 anos.
O Edifício Rachid Neder foi projetado pelos arquitetos de Jacy Hargreaves, Hélio Brasil e Reynaldo Fanzeres, formados na Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro e que estão entre os pioneiros aqui na cidade das construções que fazem parte da chamada “Escola Carioca”, em outras palavras, arquitetura modernas.
Pensado para atender as necessidades da “capital econômica de Mato Grosso”, um dos muitos títulos da cidade que na época já era maior em população e movimentação financeira que Cuiabá, o prédio tem os 2 primeiros andares reservados para salas comerciais e outros 13 com apartamentos amplos e projetados para atender a família do século XX. Considerado um marco arquitetônico em Campo Grande, chegou a estampar a capa do jornal “O Comércio” com a manchete de “Edifício Rachid Neder, 15 andares de progresso”.
Na fachada, janelas amplas que, antes dos novos prédios, já tiveram vista para toda a cidade, permitem ambientes iluminados na medida, graças ao "brise soleil", quebra-sol utilizado para diminuir a radiação de luz solar e controlando temperatura no interior. Juntos, os elementos traduzem a essência das construções modernas, feitas para serem “glamorosas”, “exuberantes” e ao mesmo tempo “extrovertidas”, com clássico no interior, como o azulejo, tradicional na arquitetura brasileira, e o mármore, que dá um toque de elegância a qualquer ambiente.
Cleonice conta que por muito tempo a cobertura e alguns dos apartamentos maiores nos andares mais altos pertenceram a família Neder, inclusive o próprio apartamento, adquirido quando a antiga proprietária faleceu. “Aqui morava a dona Maria Neder, irmã da esposa do Rachid Neder. Quem mora nesses apartamentos, pela qualidade de vida e facilidade de morar no centro, não se muda. Eu só consegui comprar esse apartamento porque ele ficou de herança para 4 filhos, já casados e com as próprias casas e famílias”, diz.
A mudança de Dourados para Campo Grande aconteceu em 2009, quando as filhas de Cleonice passaram na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Aposentada, ela decidiu acompanhar as filhas e acabou ficando, apaixonada pelo prédio, ela não imagina se mudar dali. “Nesse apartamento, você se sente em uma casa, as paredes grossas e o espaço amplo dão essa impressão, porque você não escuta barulho nem do trânsito e nem dos vizinhos”, comenta.
Com 3 elevadores, entre eles o de serviço, a disposição dos apartamentos na planta também remetem a outros tempos, o elevador principal leva ao hall de entrada, que em cada andar preserva a personalidade dos moradores e reservado para as visitas e aos donos da casa.
Já a porta dos fundos é o destino de quem chega pela escadaria ou pelo elevador de serviço. “A planta do prédio foi projetada em um tempo em que as pessoas ainda dormiam no trabalho, então esse acesso dos fundos sai direto no antigo quarto de empregados, construído ao lado da lavanderia e da cozinha, por onde eles tinham acesso ao resto da casa. Inclusive, existia um sistema entre o quarto principal e a cozinha, em que você apertava uma campainha e quem estivesse nos fundos ouvia”, explica.
Praticamente de casa, Wilson Ribeiro da Silva, de 65 anos, chegou a conhecer a família Neder e é o funcionário mais antigo do prédio, já que o companheiro de trabalho se aposentou há pouco. Entre as muitas histórias acumuladas, ele descreve memórias do empresário Humberto Neder, que costumava chegar do trabalho quando o garagista, cargo que existe até hoje por lá, já tinha indo embora. Segundo o porteiro, Humberto não gostava de estacionar o carro, o costume dele era parar na entrada da garagem e entregar a chave para que o porteiro guardasse o veículo.
“Eu tinha medo dos mortos e dos espíritos, tem uma história de que já aconteceu um tiroteio aqui, antes de ser um prédio e o Humberto sabia disso. Um dia ele chegou, parou o carro como sempre fazia e na hora de me entregar a chave, avisou para eu ter cuidado porque era aniversário da tragédia que matou várias pessoas aqui”, conta.
Morrendo de medo, o porteiro esperou Severino, o guarda noturno que cuidava da rua chegar para a primeira ronda, contou a história e pediu para que ele o acompanhasse até a garagem, o combinado seria que o amigo ficaria ao lado do carro cuidando enquanto ele estacionava.
“Na metade do caminho, o homem grita para eu tomar cuidado, desci do carro e sai correndo. No susto, nem tirei a chave da ignição e saí correndo atrás dele. O carro ficou na entrada da garagem a noite toda até o garagista chegar no dia seguinte, chegando na recepção ele estava morrendo de rir, mas eu não voltei lá. Quando Humberto ficou sabendo, foi outro para rir da minha cara”, relembra
Nascido em Fortuna, no interior de São Paulo, Pedro Vieira Góis, de 85 anos, sempre foi um apaixonado pelas ruas movimentadas e o barulho da capital paulista que não adormece. Quando os negócios tomaram forma em Campo Grande, não houve condomínio de luxo que conquistasse o coração do empresário, hoje dono do hotel Jandaia, com 43 anos de história. "Tive loteamentos por toda cidade, mas sempre gostei do Centro, desse barulho, de monte de gente", descreve.
Por isso, escolheu morar no Rachid Neder, a poucos passos do trabalho e que ele também observa da janela de casa. "Daqui eu vejo tudo", aponta na janela. "Sem contar o poôr do sol, é uma vista maravilhosa, que mostra o quanto Campo Grande é linda".
Mas alegria maior não está nas alturas. Pedro se realiza todas as manhãs, ao descer de sua cobertura pelo elevador antigo, onde encontra com o calçadão da Barão do Rio Branco. "Ele parece muito com alguns calçadões de São Paulo. Você sai de casa e já está na rua. Tenho filhas que moram em outros apartamentos e casas, mas nada é parecido com esse calçadão", diz.
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