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Arquitetura

Quando vai chegar a hora da Calógeras também voltar a pulsar?

Enquanto 14 de Julho ganha ainda mais vida, Calógeras segue aguardando futuro incerto com obras paradas

Por Aletheya Alves | 19/09/2024 07:26
Salas comerciais na Calógeras foram reformadas e aguardam locação. (Foto: Osmar Veiga)
Salas comerciais na Calógeras foram reformadas e aguardam locação. (Foto: Osmar Veiga)

Campo Grande tem acompanhado o ritmo da Rua 14 de Julho aumentando e ganhando novas perspectivas, mas um questionamento que fica é: quando vai chegar o momento da Calógeras e de outras partes históricas do Centro também voltarem a pulsar? Na teoria, a Calógeras seria atendida por uma “revitalização” com projeto da Prefeitura, mas as obras estão paradas e o futuro segue incerto. Por isso, o Lado B convidou um arquiteto e urbanista para opinar sobre o que falta para essa área da Capital não ficar para trás.

Mas, antes disso, quem já está por ali há anos comenta sobre os tempos em que a Calógeras vivia intensamente. Comerciante, Abdul Tchatcha mora na região desde criança e explica que o fim da ferrovia e a saída da rodoviária foram marcos, pensando no esvaziamento da Calógeras.

“Essa avenida era o centro nervoso da cidade, no sentido de que o comércio era muito forte e a movimentação de pessoas era intensa”, diz o comerciante.

Esquina da Avenida Calógeras com a Mato Grosso. (Foto: Osmar Veiga)
Esquina da Avenida Calógeras com a Mato Grosso. (Foto: Osmar Veiga)

Acompanhando as discussões sobre a revitalização da avenida, ele diz não saber como será o futuro, mas que o presente segue difícil. Algo que chama atenção, entretanto, é a reforma de alguns pontos comerciais, como algumas salas que ganharam novas cores na Calógeras.

Por enquanto, todas estão para alugar, mas a expectativa de novos comerciantes é vista como esperançosa para os vizinhos.

Pensando nas mudanças da 14 de Julho como exemplo, o comerciante é receoso e aponta que o planejamento para todo o Centro precisaria ser mais complexo e integrado. Tchatcha questiona a perda de vagas de estacionamento, por exemplo. Ponto que, por outro lado, o urbanismo costuma defender.

O que o urbanismo tem a dizer?

Pensando em um paralelo entre a movimentação da 14 de Julho e os caminhos da Calógeras, o professor de Arquitetura e Urbanismo da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Julio Botega explica que as ações da principal via não levarão modificações por si só para todo o Centro.

“A 14 de julho sempre foi uma rua movimentada, mesmo antes da reforma, portanto, ela, por si só, não garante esse movimento. A esperança para a Calógeras e para o Quadrilátero Histórico de Campo Grande, que é uma parte do Centro, passa por entender o que essa porção da cidade significou e significa hoje, não apenas o que ela pode vir a significar. Portanto, é necessário um plano de conjunto para requalificar a região, centrado no perfil do morador e consumidor desta área”, diz Julio.

Registro dos momentos de obras na Calógeras. (Foto: Arquivo/Paulo Francis)
Registro dos momentos de obras na Calógeras. (Foto: Arquivo/Paulo Francis)

Há vários pontos a serem pensados e detalhados como formas de fazer a Calógeras ganhar ritmo, mas, em resumo, o professor destaca que é necessário entender que utiliza e quem vai utilizar essa área.

Adequar tanto a Calógeras quanto as outras ruas do Centro é pensar em mais pessoas enquanto pedestres e usuários de transporte público, uma vez que esse público se interessa pela região. Além disso, a ampliação dos horários de funcionamento dos estabelecimentos e melhoria da qualidade ambiental do espaço também poderia impulsionar.

Porém, para entender melhor tudo isso, é necessário pensar em quem vive a região central, o que significa revitalizar e como permitir o uso de toda essa área.

Questionamentos unem urbanismo e assistência social. (Foto: Osmar Veiga)
Questionamentos unem urbanismo e assistência social. (Foto: Osmar Veiga)

Quem vive o Centro? E ‘revitalizar’ faz sentido?

Na prática, pensando em formas de compreender um retorno da população também para a Calógeras, o professor relata que há duas principais formas. Uma delas é apoiar a moradia na região com programas destinados a todas as faixas de renda, incluindo subsídios e aluguéis sociais.

Segundo Julio, morar no Centro é visto como algo reservado para uma classe social mais alta. A questão é que, por aqui, não são essas pessoas que consomem o que é vendido na Calógeras e em outros espaços como o Mercadão, Camelódromo e na 14 de Julho.

“Vendem na 14 de Julho a ideia de um “shopping” a céu aberto, enquanto o consumidor dessa área não é o mesmo consumidor de shopping. Portanto, o perfil do morador e do consumidor esperados, precisam ser adequados ao perfil do comércio deste local. São pessoas de renda baixa e média, que também merecem ter um lugar agradável para  fazer suas compras e passear, como aqueles que usufruem do comércio e serviços de shoppings centers fechados”.

Vista aérea da Avenida Calógeras com o monumento da Maria Fumaça ao lado esquerdo. (Foto: Osmar Veiga)
Vista aérea da Avenida Calógeras com o monumento da Maria Fumaça ao lado esquerdo. (Foto: Osmar Veiga)

Dessa forma, há um descompasso entre o que parte dos comerciantes desejam e a realidade. Exemplo disso, segundo o professor, é a busca por mais vagas de estacionamento e combate a moradias populares, “esquecem que boa parte de seus consumidores não são os que têm dez reais para pagar por hora em estacionamento privado, que não vão de carro para o Centro, mas sim os que já moram ali e aqueles que utilizam transporte público”.

Inclusive, a melhoria do transporte público poderia ser algo que ajudaria a pulsação da área central. Pensando em planejamento e execução, o urbanista relata que não há linhas circulares no Centro, a desconexão entre ciclovias também é um problema e, de forma geral, as calçadas não são adequadas.

“Resumindo, é necessário compatibilizar o perfil do comércio e dos serviços da região (da Calógeras) com a do morador e do cliente que eles têm, não do que eles queriam ter. Senão as pessoas continuarão comprando nos seus bairros, a não ser que precisem de coisas muito específicas ou queiram comparar preços, uma vez que lojas do mesmo ramo estão uma ao lado da outra na Calógeras”.

Ele também argumenta que até mesmo o termo “revitalização” não se encaixa para a via e demanda atenção. O professor explica que revitalizar significa “trazer de volta à vida”. Isso não se encaixaria, principalmente falando sobre a área histórica de Campo Grande.

Pode ser que não seja a vida que o poder público, moradores e transeuntes esperam, mas essa região nunca deixou de ter vida. Há problemas sociais graves na região, que precisam ser enfrentados com a questão de saúde pública. Pessoas em situação de rua, usuários de drogas, entre outros grupos vistos como ‘problemas’, existem em todas as cidades, as que conseguiram lidar melhor com esse problema possuem programas efetivos de acolhimento e reintrodução dessas pessoas na sociedade, ainda que parte delas não tenha esse desejo”.

Unindo as pautas, Julio defende que apenas a intervenção urbana separada do serviço social não consegue ser efetiva, já que acaba deslocando o problema social para outra área da cidade.

Como “permitir” o uso da Calógeras?

Além de compatibilizar o público e pensar no acesso, o professor da UFMS destaca que o zoneamento dos sons é outra questão importante. Na prática, o comércio em geral poderia ter seu horário ampliado, uma vez que os próprios trabalhadores pudessem aproveitar o Centro após seu expediente.

Com isso, a lei do silêncio precisaria ser repensada, já que esse ponto da cidade não adormeceria tão cedo.

Área histórica da cidade segue aguardando novas movimentaçõe. (Foto: Osmar Veiga)
Área histórica da cidade segue aguardando novas movimentaçõe. (Foto: Osmar Veiga)

E, o estacionamento citado anteriormente, também é algo que Julio questiona pensando na necessidade de mais calçadas. A questão é que pessoas caminhando teriam mais potencial de comprar do que apenas moradores passando de carro.

“Precisamos de menos estacionamento e faixas de rolamento para carros. Precisamos de calçadas, que sejam bem construídas (niveladas, com material adequado, acessíveis), bem arborizadas, com fachadas atrativas, que valorizem os elementos arquitetônicos ali presentes. Uma pessoa caminhando tem muito mais probabilidade de comprar algo do que alguém dentro do carro. Além disso, contribuem na segurança, uma vez que mais pessoas na rua, inibem a ação de pessoas com más intenções”, completa.

Últimas movimentações

Em novembro de 2022, as obras que seriam desenvolvidas com a revitalização para inserção do corredor de ônibus e criação de uma ciclovia foram paradas. Desde então, a avenida retornou para as incertezas.

O então contrato era de R$ 15 milhões e, após ser rescindido, foi reduzido para R$ 11 milhões. Caso haja uma nova licitação, o valor volta para o inicial.

Todo esse assunto do corredor de ônibus impacta diretamente no questionamento sobre a avenida voltar a ser vista pelo poder público.

A última movimentação envolvendo a avenida foi há menos de uma semana, na quinta-feira (12) para falar sobre as obras envolvendo o corredor de ônibus. Na reunião da Sisep (Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos) com comerciantes, um dos pontos era estudar se as obras seriam encerradas definitivamente ou retomadas.

Projeto com maquete eletrônica para ilustrar como trecho da Calógeras ficaria. (Foto: Divulgação/PMCG)
Projeto com maquete eletrônica para ilustrar como trecho da Calógeras ficaria. (Foto: Divulgação/PMCG)

Na data, os comerciantes pediram para que não haja diminuição das faixas de estacionamento para inserção de uma ciclovia. Responsável pela secretaria, Marcelo Miglioli destacou que o recurso público precisa ser destinado para a mobilidade urbana.

O primeiro momento é de pensar na licitação e, segundo a Sisep, o próximo passo é recapear o trecho entre a Avenida Mato Grosso e Avenida Eduardo Elias Zahran.

Nesse processo, está previsto que as calçadas sejam reordenadas, a ciclovia talvez seja implementada, sinalização horizontal e a construção das estações de embarque caso os corredores continuem no projeto, assim como obras de drenagem.

“O recurso está acoplado e direcionado para  a mobilidade urbana, por isso não tem como reaproveitar, essa é a preocupação, fazer com que a cidade não perca o recurso. Isso está aí há muitos anos, foi dado início, mas ao mesmo tempo não queremos forçar a situação e fazer uma obra que, ao invés de ajudar, atrapalhe” disse ao Campo Grande News.

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