Aos 61 anos, Zé decidiu que não iria morrer e começou de novo, contra o vício
Os dedos ainda são ágeis no violão e o timbre da voz parece ainda melhor. O chapéu recai perfeitamente ao terno alinhado e escuro. Tudo continua igual, menos o bluesman, esse mudou. Zé Pretim decidiu há cinco meses que não iria mais morrer. Contra todas as expectativas e aos 61 anos se internou em uma clínica de reabilitação com o propósito de deixar o álcool e as drogas para trás.
Ao todo são nove meses de tratamento, que ele cumpriu mais da metade. A carreira que cambaleava há muito tempo foi deixada de lado de vez. Apesar de tocar na clínica e praticar a guitarra com frequência, são nos dias de visita, uma vez por mês na clínica Cadri, em Campo Grande, que ele se aproxima de um violão e faz um show na capela, com direito a hino de louvor.
Em entrevista ao Lado B, ainda internado, Zé Pretim, tem apenas um sonho para 2016. "Eu espero e tenho certeza que vou terminar meu tratamento e tocar lindamente por esse país", diz, confiante.
Há mais de 20 anos dependente químico, o músico confessa que nos últimos tempos só desejava morrer. "Eu queria morrer, mas não com um tiro ou coisa assim. Eu pensei vou usar droga e beber até morrer", relata.
Mesmo assim, uma vez, Zé disse que "louco" pensou em tacar fogo na casa, já sem água e condições de higiene. "Foi um tempo em que eu olhava para mim e não estava conseguindo me enxergar como gente, até pensei um dia muito doido em casa, acho que não estou valendo mais nada. Vou tacar fogo na casa. Mas, Deus não deixou eu fazer isso. Pensei, fumando cigarro que estava na hora de acabar com tudo isso", relembra.
A luz veio com a ajuda de amigos da música. Um grupo resolveu procurar uma clínica que aceitasse um senhor de 61 anos. Após vários dias de caminhada e alguns "nãos", ele se instalou na fazenda, onde precisa limpar o chiqueiro e realizar serviços braçais. "Foi bom para mim porque eu precisava fazer um exercício físico".
O peso voltou aos poucos, agora que ele se alimenta direito e a insulina voltou a fazer parte do cotidiano, após os médicos se surpreenderem por Zé ficar mais de três anos sem tomar as injeções para diabetes. "Estava em 530. Poderia ter ficado cego ou morrido".
Os tempos de tomar uma dose de pinga para abrir o apetite e de fumar maconha com pasta base ficaram para trás desde agosto. "Eu fui emagrecendo tanto que muita gente achava que eu tinha AIDS. Eu dormia e acordava pensando na bebida e nas drogas. Toda hora eu ia no boteco, tomava uma, acendia outra e a comida lá. Até esquecia".
Todo esse caminho, segundo ele, foi traçado por meio das decepções. "No começo era controladamente, mas minha mãe faleceu, depois meu pai e eu fiquei sem controle", afirma.
Com mágoas de ex-empresários, antigas paixões, preconceitos e algumas histórias de abandono, Zé se isolou. Até o único filho, ele não via há três anos. O reencontro, emocionante, foi na clínica. Para o menino, hoje com 18 anos, uma promessa. "Ajudar na faculdade".
Sem conseguir "se enxergar como gente", o músico diz que 2015 serviu para se redescobrir. "Decidi cuidar de mim. Entregar minha vida aos cuidados de Deus. Ele não me fez com esse dom para eu me matar desse jeito. Através dos amigos eu me entreguei para sair dessa vida", acredita.
O sorriso vem naturalmente quando diz que nunca mais vai voltar para as drogas. Zé que nasceu em Minas Gerais, na cidade de Inhapim, diz que nunca esqueceu dos tempos em que trabalhava em fazenda e de como chegou em Campo Grande, ainda na década de 60. Lembra com precisão de todos os passos, da transição da música sertaneja até a paixão à primeira vista por Janis Joplin e Jimi Hendrix. De lá para cá, o sucesso o consagrou no blues, com direito a entrevista no Jô Soares.
Sobre o quanto as drogas atrapalharam sua carreira, ele acredita que não teve discernimento para fazer as escolhas corretas.
"Desde a ida ao Jô, deixei o telefone de uma pessoa errada, que era para ser meu empresário, mas eu trabalhei para ele ganhar dinheiro. Perdi oportunidade de tocar pela Colcci, no São Paulo Fashion Week porque ele pediu demais. Isso me deixou sem nada e eu só aumentei a dose. Aquela raiva, aquele rancor eu fiquei alimentando. Para mim tudo tinha acabado, a pessoa praticamente acabou comigo. Isso me deixou muito magoado e só aumentei as drogas e a cachaça".
Dos doze passos para a recuperação, faltam apenas quatro. "Se Deus quiser vou sair daqui limpo. Tocar minha guitarra, cantar e tocar minhas músicas", promete.