Carnaval de Corumbá superou a "baianização" cantando o samba no pé
A celebração do carnaval em Corumbá remonta ao início do século XX, acompanhando a evolução do entrudo importado de Portugal, que se transformou na folia afro-brasileira com o surgimento das escolas de samba no Rio de Janeiro. A presença da Marinha e a ligação afetiva com a capital do Brasil, pelo Rio Paraguai, tornaram o corumbaense um apaixonado pelo gingado malicioso da marginalizada zona norte do Rio, onde o samba sentou praça.
A influência carioca, que se expressa também no falar, é tão marcante que rompeu culturalmente o isolamento implacável de uma cidade que se prosperou à beira de um rio sem acesso rodoviário com o resto do país até os anos de 1980. Daí se explica, também, o fato de a maioria dos corumbaenses torcer pelo Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense, ao contrário do resto do Estado, que acompanha o futebol de São Paulo, nosso vizinho.
Corumbá incorporou a magia e a irreverência do novo carnaval da Cidade Maravilhosa, com a manifestação se tornando uma prática cultural sistemática já em 1920, quando o festejo tinha a duração de três dias. Ainda naquela década, surgiram na Avenida General Rondon os blocos “Mama na Burra” e “Pancada de Amor” e os cordões “Pau Rolou”, “Sempre Viva” e “Rojão da Mocidade”. A primeira escola de samba, “Deixa Falar”, foi fundada em 1946.
Axé invade avenida
As marchinhas carnavalescas ritmavam o carnaval local, exaltando o Rio Paraguai, a cidade e os marinheiros, mas deslocando-se, com o passar dos anos, do aspecto pitoresco do lugar para a apologia aos políticos, induzindo um novo pensar do Brasil. Em 1931, uma composição do folião Mané Só, do cordão “Pau Rolou”, citava Getúlio Vargas, líder civil da Revolução de 30: “Não há melhor ocasião/Para uma cavação/Porque seu Getúlio é o chefão”.
O modelo carioquês instalou-se em Corumbá na década de 1950. Surgiram os personagens Rei Momo e Rainha, os desfiles prosperavam com a participação popular nas alas das escolas, com fantasias de maior grandeza e carros alegóricos mais elaborados, chamando a atenção da crônica do Rio e São Paulo já naquela época. A partir dos anos de 1970, no entanto, o carnaval declinou por conta da crise econômica, enchentes frequentes no Pantanal e desavenças.
Historiadores apontam que o renascimento da folia pantaneira se deu a partir de 1978, no bicentenário da cidade, com as escolas de samba se estruturando, mostrando poder de organização em 1985 ao reunir 2.500 foliões. Os anos de 1990, no entanto, foram de estagnação, com o axé invadindo o carnaval local. A prefeitura chegou a colocar um trio elétrico na avenida para as bandas baianas, impedindo o desfile das escolas e blocos.
A folia se consolida
“O poder público prefere vende-lo (o carnaval) em bandas baianas ou em desfiles na Marquês de Sapucaí, é mais fácil, dá menos trabalho e mais votos”, protestava em 1992 o historiador Augusto César Proença. “Não deixem o axé acabar com o carnaval de vocês”, alertou o carnavalesco carioca Joãosinho Trinta, ao visitar a cidade para uma palestra sobre carnaval, no início dos anos 2000. Sua voz ecoou e o carnaval de rua renasceu com toda força.
A “baianização” – termo usado para se referir a adesão ao axé - encurtou a carreira de muitos políticos e foi banida com a criação da Liesco (Liga Independente das Escolas de Samba de Corumbá), em 2002. A festa popular ganha força, iniciando um processo de profissionalização do carnaval com os investimentos públicos em apoio às escolas e criação do circuito do samba na Avenida General Rondon. Mais do que isso, fortaleceu-se o intercâmbio com o Rio de Janeiro.
“Começaram a vir os carnavalescos do Rio para trabalhar na Império do Morro, logo outras escolas seguiram, e o carnaval de Corumbá se consolidou a partir de 2004 (na administração do prefeito Ruiter Cunha de Oliveira)”, conta Zezinho Martins, presidente da Liesco. “A Império do Morro voltou a desfilar depois de 13 anos, colocando 2.300 componentes na avenida, 320 só da bateria, foi um marco. Hoje temos o melhor carnaval do Centro-Oeste”, complementa.
Volta triunfante
O primeiro desfile das escolas de samba, após o “xispa” no axé baiano, ocorreu em 2003, vencido pela Vila Mamona, que mantinha uma hegemonia de décadas sobre as demais. Nestes 17 anos de grandes carnavais e um aprimoramento das agremiações em busca da profissionalização, a Império do Morro se firmou como a escola com mais títulos: sete. A Vila Mamona ganhou quatro; A Pesada e Nova Corumbá, três, enquanto a Major Gama, um.
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