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Artes

Feministas, Deusas do Cerrado fazem Carnaval falando sobre machismo e política

Bloco foi organizado em uma semana e fez desfile com marchinhas compostas especialmente para o Carnaval e com temas feministas

Wendy Tonhati | 04/03/2019 07:56
Bloco se concentrou, após o desfile, em uma das esquinas da Orla Morena (Foto: Paulo Francis)
Bloco se concentrou, após o desfile, em uma das esquinas da Orla Morena (Foto: Paulo Francis)

O bloco Deusas do Cerrado nasceu neste Carnaval e levou cerca de 100 pessoas para desfile na Orla Morena, no domingo (3). Criado em tempo recorde, há uma semana,  o grupo entrou firme em um tema mundial da atualidade, o feminismo. O cortejo teve marchinhas contra o machismo e também com temas político, como a Reforma da Previdência, especialmente, sobre os reflexos na aposentadoria das mulheres.

A concentração começou às 14 horas em frente ao bar do Grego, ponto de encontro tradicional do bairro Cabreúva, e o desfile seguiu por cerca de 500 metros, até se concentrar em uma das esquinas da Orla Morena. Mesmo sem organização feita por órgão de trânsito, foi tudo tranquilo.

“No manifesto sobre o bloco, a mulherada deu o recado. “Traz seu instrumento, sua voz, sua liberdade e vem se jogar no bloco carnavalesco mais feminista dessa cidade. Pode glitter, purpurina, amor, axé, tesão, decote, fricote, folia e tudo mais que as deusas dessa cidade quiserem. Só não pode machismo, macho escroto, mãe tendo que cuidar sozinha da prole e assédio... De resto, tá tudo liberado pela cúpula divina deste Cerrado”.

Mulheres vestiram a fantasia e saíram em bloco em que são as protagonistas (Foto: Paulo Francis)
Mulheres vestiram a fantasia e saíram em bloco em que são as protagonistas (Foto: Paulo Francis)

Uma das organizadoras, Natália Felix, 27 anos, conta que a ideia do bloco surgiu há uma semana em uma conversa com a amiga Júlia Mendes. “Eu e a Júlia estávamos conversando sobre como é difícil organizar espaços para as mulheres serem protagonistas, especialmente, na parte da arte. Fomos chamando as pessoas que já conhecíamos. A conversa foi sábado e hoje estamos saindo”.

Natália diz que se posicionar contra o machismo é um objetivo do bloco e que o Carnaval também é época de falar sobre assuntos sérios. “A importância é se posicionar contra o machismo. É um bloco não só para brincar o Carnaval, mas também fala sobre política e sobre o machismo. Criamos duas músicas que falam sobre isso. Sobre a exclusão da mulher dos espaços como um todo. É para se posicionar, se conscientizar e conscientizar outras mulheres que não estão tão conscientes disso”.

Uma das bandeiras levantadas pelo bloco é a divisão na responsabilidade da criação dos filhos, sem essa de pai dando uma ajudinha para cuidar dos pequenos. No bloco a ideia foi realmente de os pais cuidarem enquanto as mulheres podiam dançar e aproveitar o Carnaval. Na prática, não foram tantos homens assim.

“É uma preocupação muito grande, porque quando a gente sai para o “rolê”, a gente vê vários pais curtindo e sabemos que estão curtindo porque têm mulheres cuidando dos filhos deles e que são negadas desse direito de curtir a vida. A mulher não tem a obrigação de cuidar sozinha da prole”, afirma Natália.

Natália Feliz é uma das organizadoras do bloco (Foto: Paulo Francis)
Natália Feliz é uma das organizadoras do bloco (Foto: Paulo Francis)
Márcia Alves foi fantasia e com cartaz contra o machismo (Foto: Paulo Francis)
Márcia Alves foi fantasia e com cartaz contra o machismo (Foto: Paulo Francis)

Márcia Alves, 50 anos, foi com o marido e levou a filha Melissa, 10 anos, e amiga da filha, Bárbara, 12, para o bloco. Ela diz acreditar que bloco é importante, porque os homens são sempre os protagonistas dos eventos.

“Quando as mulheres se juntam para fazer o Carnaval com as suas pautas, é muito importante, pois, Mato Grosso do Sul é um estado com altíssimo índice de feminicídio e violência contra as mulheres. Contra a mulher negra, a mulher indígena, a mulher banca. Contra todas as mulheres. Estamos também diante da data de um ano da morte de Mariele Franco, sem respostas”.

Janiele Espinosa, 27 anos e Aline Fernanda, 23, estavam na Orla Morena quando foram surpreendidas pelo bloco e gostaram do que viram. “Eu achei muito interessante e diferente. Achei importante também o que elas estão falando sobre a reforma”, diz Aline. 

Amigas estavam na Orla Morena e gostaram do bloco (Foto: Paulo Francis)
Amigas estavam na Orla Morena e gostaram do bloco (Foto: Paulo Francis)
Larissa Lopes levou o filho de 2 anos para o bloco (Foto: Paulo Francis)
Larissa Lopes levou o filho de 2 anos para o bloco (Foto: Paulo Francis)
Primeiro ano do Deusas do Cerrado (Foto: Paulo Francis)
Primeiro ano do Deusas do Cerrado (Foto: Paulo Francis)
Mulheres foram homenageadas no bloco (Foto: Paulo Francis)
Mulheres foram homenageadas no bloco (Foto: Paulo Francis)
Bloco desfilou com tambores (Foto: Paulo Francis)
Bloco desfilou com tambores (Foto: Paulo Francis)

A professora Mara Rojas, 47 anos, levou a bandeira do bloco e diz que tudo deu certo, apesar do pouco tempo de organização, porque uma integrante ajudou a outra. “Iniciamos tudo na colaboração, uma ajudando a outra”, diz. Sobre o nome, Mara explica que “Todas somos deusas, cada uma diferente da outra”.

Fundadora do Cordão Valu, Silvana Valu, foi madrinha do bloco e destaca que o Carnaval é momento de usar a visibilidade para dar voz a quem nem sempre é escutado. “Eu acho que qualquer manifestação popular é super importante para a gente colocar, principalmente, aquilo que incomoda à população que não tem voz. O negro, a mulher, as minorias. É o único momento em que a gente tem palco, tem voz, o microfone é nosso. Então, a gente tem que aproveitar esse momento para colocar isso em pauta e poder gritar nesse momento”.

Larissa Lopes levou o filho de 2 anos e meio e para o cortejo do bloco. Ela diz o Carnaval além de ser um momento de descontração, é importante para poder se manifestar politicamente e com relação ao machismo.

“Eu acho que é de extrema importância para o momento político em que estamos vivendo, um momento que a agente pode resgatar o Carnaval e o mesmo tempo e que é um movimento político, de voz, que de uma forma descontraída que a gente pode estar colocando as nossas pautas na rua e cantando e gritando que são de extrema importância. Não só o machismo, ainda mais no Carnaval, onde acontece muito assédio, mas também questões políticas, nas letras que a marchinhas trouxeram”.

Pai com bebê de dois meses (Foto: Paulo Francis)
Pai com bebê de dois meses (Foto: Paulo Francis)
Mathias com o filho Martin, de 1 ano (Foto: Paulo Francis)
Mathias com o filho Martin, de 1 ano (Foto: Paulo Francis)

O indigenista Mathias Rempel foi quem cuidou do filho, Martin, de 1 ano e 7 meses, enquanto a mulher ficou livre para dançar no cortejo do bloco. Para ele, é fundamental que os companheiros assumam a responsabilidade de compartilhar o cuidado com os filhos para que as mulheres consigam se organizar em prol de suas pautas.

“É fundamental. A gente sabe que a mulherada enfrenta o peso do patriarcado e está se organizando para enfrentar o machismo e, hoje, parece que ao invés de ter diminuído, cresceu com a essa ascensão conservadora. É fundamental a gente ficar de apoio, cuidar dos pequenos e deixar que elas possam se organizar para enfrentar alguma questão, que é estrutural. É a gente que está aqui e comete micromachismos em casa, é o mundo lá fora, então é um pouco do mínimo. Não é muita coisa não. Elas que estão fazendo um serviço forte”.

O bloco foi abençoado pela mãe de santo Alexandra Martinez. Ela diz que a união é por um bem maior. “A nossa religião já vem se debatendo com muitas questões. O feminismo é parte de nós também. Elas quererem a nossa liberdade e quando está organizado como está aqui, é mais abençoado é. Porque a gente está em busca de uma situação para que lá no futuro, não sejamos oprimidas pelo machismo e por nós mesmas”.

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(Foto: Paulo Francis)
(Foto: Paulo Francis)
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