Modelo de ingresso alternativo revela quanto vale a arte para o campo-grandense
Em contato com a arte, não há dúvidas de que ela refina o olhar e nos ajuda a desenvolver a sensibilidade para o que é belo e sutil. Mas quando se fala em valores, é comum ver gente dizendo que não pagaria muito por um espetáculo, teatro ou exposição. Foi pensando nisso que a companhia Dançurbana em Campo Grande criou a “Temporada Quando Custa?”, uma estratégia em que o público tem a liberdade de pagar o quando quiser e o quanto puder pelas apresentações na cidade.
Isso não ajuda a aumentar o lucro, mas cria uma consciência de quanto vale a cultura descreve o diretor da companhia, Marcos Mattos. “As pessoas não tem o hábito da arte como algo primordial na vida delas. Com isso elas não conseguem perceber o quanto a arte é importante, o quanto pode ser acessível e transformadora”.
Com a Casa de Ensaio, na Avenida Afonso Pena, como apoio estrutural, a companhia apresentou neste fim de semana o espetáculo Fluzz, uma apresentação de movimentos intensos, corpos rápidos e instantes que prendem o público com recursos visuais como a projeção de imagens e trilhas sonoras.
Em uma sala com capacidade para 50 pessoas na plateia e um pé direito com mais de 6 metros de altura, seis bailarinos utilizam técnicas da dança contemporânea e da improvisação para levar o público a uma reflexão sobre as relações entre corpo e tecnologia.
Ninguém paga o espetáculo na entrada, cada um recebe um cartão para controle da recepção no número de pessoas, mas ao final da apresentação, Marcos entra novamente à arena e fala sobre o projeto e proposta de contribuição.
Tem gente que não paga absolutamente nada, mas isso é minoria, diz Marcos. “Grande parte nos ajuda, não pelo dinheiro, mas pelo valor que elas perceberam ao assistirem o espetáculo. Tem gente que deixa o que pode e há quem já chegou a deixar R$ 50,00”, conta.
O dinheiro é todo revertido para a companhia, ajuda com alguns gastos, mas não sobra nada. “De lucro mesmo, até hoje só tivemos R$ 250,00”.
Mas se para alguns a arte é um negócio, para Marcos é uma resistência. “É claro, precisamos de dinheiro para nos manter, até porque todos os nossos bailarinos são remunerados. Mas o que torna tudo isso mais importante é provar para o mundo que nós não vamos desistir e que a arte não vai deixar de transformar”.
Ao final do espetáculo, o gestor cultural Francisco Araujo, de 64 anos, saiu emocionado. Abraçou o diretor e chorou nos braços em resposta a beleza que viu na sala. “Eu venho acompanhando esse grupo desde 2003 e fico emocionante pelo aporte consistente, pelo trabalho do corpo”, diz. “Tenho muita gratidão em ver a evolução de uma companhia como essa na cidade”.
O preço da apresentação para ele é muito maior do que pode pagar. “É muito pouco o que eu dou porque o grupo vale muito. Se o ingresso fosse R$ 100,00 eu pagaria, porque o trabalho vale e, no fundo, arte nenhuma tem preço”.
A zootecnista Bruna de Menezes, de 27 anos, foi mais de uma vez assistir um espetáculo de dança. Neste mesmo projeto ela diz que chegou contribuir com R$ 10,00 porque era o que tinha, mas garante que se tivesse, daria mais. “Eu acho importante prestigiar. Se eu pudesse daria mais, no entanto, se fosse um evento mais caro eu não teria como pagar, por isso, que o projeto abre portas para quem nunca teve acesso a esse tipo de arte”.
Foi o que motivou a dentista Nathalia Biava Menezes, de 31 anos, ir com o filho pela primeira vez até o espetáculo. “Acho bacana para divulgar porque eu sei que é o quanto é uma área difícil”.
Depois de trabalhar durante um período nos bastidores de uma companhia de dança, o acadêmico de Educação Física Alisson Silva de Souza, de 20 anos, acredita que o projeto é um alerta. “É para acordar a sociedade, porque é muito difícil montar um trabalho assim que envolve muita produção e dedicação. E mesmo divulgando, as pessoas não comparecem e isso prova a desvalorização da arte. Isso é algo que não me deixa feliz”.
O Fluzz foi apresentado dentro do ‘Dançurbana em Casa – Ciclo de Atividades Culturais’ começou em julho e segue até dezembro com ações relacionadas à área da dança, como cursos, oficinas, temporadas de espetáculos, mostras de danças, residências, intercâmbios e diálogos de aproximação com o público.
A proposta é criar ações de sustentabilidade para a companhia, além de fomentar a valorização da cena cultural da capital, aproximando o público das atividades e do trabalho desenvolvido pelo grupo.
Com o sistema de ingresso alternativo, a companhia entende que as produções artísticas devem estar ao alcance de todos. “Por isso, o público poderá escolher quanto pagar. É uma decisão individual, mas que reflete no todo, e isso faz toda a diferença”.