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Artes

Municípios da fronteira cancelam espetáculo teatral após fake news

Fundação de Cultura emitiu nota de esclarecimento sobre a falsa relação entre os espetáculos e causa LGBTQIA+

Por Aletheya Alves | 04/05/2024 10:58
Integrantes do Grupo UBU, que teve apresentações canceladas. (Foto: Divulgação)
Integrantes do Grupo UBU, que teve apresentações canceladas. (Foto: Divulgação)

Após a divulgação de notícias falsas sobre o projeto UBUTrans, do Grupo UBU de Artes Cênicas, quatro municípios da região fronteiriça cancelaram a apresentação dos espetáculos e oficinas para professores. Nas redes sociais, a informação era de que o grupo estaria levando “ideologia de gênero” em suas peças com a retirada das apresentações em Laguna Carapã, Amambai, Coronel Sapucaia e Paranhos.

Há dois dias, o ex-deputado Rafael Tavares (que teve seu mandato cassado em 2024 por fraude eleitoral) iniciou publicações indicando que as apresentações do Grupo UBU possuíam “ideologia de gênero em peça de teatro financiada com dinheiro público”. Além dele, uma professora de Amambai também repercutiu com falas parecidas, conforme informado pelo grupo. Desde então, os cancelamentos foram iniciados.

O Campo Grande News solicitou nota retorno aos municípios envolvidos, mas até o momento apenas Amambai informou que não irá se pronunciar oficialmente. O espaço segue aberto aos envolvidos.

A divulgação sobre os cancelamentos foram informados através do perfil no Instagram do grupo, começando com Laguna Carapã e Amambai, que receberiam as apresentações nos dias 1 e 3 de maio.

Produtor do Grupo UBU, Douglas Moreira detalhou que a justificativa de todos os municípios se vinculam às falsas notícias. Após Laguna Carapã e Amambai cancelarem, os pedidos seguiram com Coronel Sapucaia.

“Paranhos me ligou, disseram que as notícias estavam fortes por lá e que a população estava ameaçando fazer manifestações no local das apresentações. Por medo de colocar nossa integridade física em risco, a secretária de cultura estava muito triste com tudo o que estava acontecendo e achou melhor cancelar pelo bem do grupo”, relata Douglas.

Cartaz de divulgação sobre o cancelamento em Laguna Carapã. (Foto: Reprodução/Instagram)
Cartaz de divulgação sobre o cancelamento em Laguna Carapã. (Foto: Reprodução/Instagram)

Sobre a mobilização das fake news, o produtor explica que houve uma mobilização para espalhar os conteúdos e indicar que os pais não fossem ao espetáculo destinado aos adultos e que as crianças não assistissem ao infantil. “A fake news era que estávamos falando de ideologia de gênero nas escolas e dando uma oficina sobre o mesmo tema para os professores, o que é uma grande mentira”.

“Ficamos bastante surpresos  e tristes. Esse projeto vem sendo sonhado e pensado já tem dois anos. E quando estávamos na estrada e vimos as notícias ficamos devastados. Somos 37 pessoas envolvidas diretamente no projeto, 37 famílias. Temos mais de 30 anos de trabalhos ininterruptos no Mato Grosso do Sul e fora dele. Sabemos que se trata de um ano político e as pessoas querem aparecer a qualquer custo. Estão usando o nosso nome para se promover politicamente”, descreve o produtor.

Agora, o grupo está se munindo judicialmente para que as próximas ações sejam tomadas. “Temos o apoio da Fundação de Cultura do Estado do Mato Grosso do Sul que por nota se manifestou contra os ataques que estamos recebendo. O medo e a insegurança pairam no ar, mas sabemos da lisura do projeto ‘UBUTrans - Transformando Caminhos e Fronteiras’  e o quanto é importante para os municípios. Por isso estamos firmes e fortes. Vai ter teatro sim, vai ter arte e cultura sim!”.

E, apesar dos cancelamentos, as apresentações estão mantidas em Tacuru e Rio Brilhante. Além disso, o grupo está em contato com parceiros e artistas de outros municípios, entre eles Dourados, Ivinhema, Corumbá e Nova Andradina, que se manifestaram favoráveis ao grupo e ao projeto.

Em nota, a Fundação de Cultura informou que a relação feita por Tavares é falsa. “No projeto o termo Trans, diferente do que foi dito pelo ex-deputado, não tem nenhuma relação com a questão LGBTQIA+, mas, sim, refere-se ao trans de ‘transformando’, de transformar caminhos e fronteiras e de ‘transportar’, é transportar a visão dos educadores e do público para além do que se considera inatingível, posto e permanente”.

Sobre o projeto, a Fundação ainda destacou que o FIC (Fundo de Investimentos Culturais), que contemplou o Grupo UBU, tem como objetivo democratizar o acesso aos recursos para as áreas de música, dança, teatro, artes plásticas, audiovisual, literatura e festas populares.

“Os selecionados participam de programas e ações executadas pela Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul no decorrer do ano, estimulando a valorização e difusão das manifestações artístico-culturais do Estado”, relata a nota da Fundação de Cultura.

Além da Fundação, o Fórum Estadual de Cultura de Mato Grosso do Sul também divulgou uma nota sobre o assunto. No texto, o grupo prestou apoio ao projeto e destacou que os espetáculos têm conteúdo e estética voltados ao público infantil, sendo coerente com sua classificação indicativa

Nota de apoio divulgada pelo Fórum Estadual de Cultura de MS. (Foto: Divulgação)
Nota de apoio divulgada pelo Fórum Estadual de Cultura de MS. (Foto: Divulgação)

De que se tratam as peças?

“Uma Moça da Cidade” é antes de tudo uma ode ao amor e um importante mecanismo de reflexão crítica sobre as relações humanas em tempos de discurso de ódio e intolerância de seus próprios dirigentes, bem como, é um ambiente de denúncia e investigação do universo de exclusão a que o povo “nordestino-sul-mato-grossense” foi submetido.

Além disso, o espetáculo traz à tona, a força que o desejo e o amor têm na vida dos sujeitos, emergindo reflexões sobre como tais sentimentos, são capazes de mudar nossa realidade.

“Pelega e Porca Prenha – Episódio: Na Mata do Pequi”, conta a aventura fantástica dos irmãos sertanejos: Pelega e Porca Prenha; que se envolvem numa intriga na mata do Pequi, entre a Boca de Sapo, o Curupira e a Pisadeira, personagens da cultura popular brasileira (folclore).

Confira abaixo a nota de esclarecimento completa divulgada pela Fundação de Cultura:

O presente projeto, UBUTRans, contemplado no Fundo de Investimentos culturais – FIC/ 2022, com aporte R$ 219.366,00 propõe uma leitura metafórica, dialética a partir das subjetividades de seus proponentes e seu público, na busca de um lugar onde o formar, o transformar, o rever e o pensar novos caminhos sejam hábitos e fronteiras sejam metáforas transpassáveis.

O Fundo de Investimentos Culturais estimula desde 2002 a criação, a produção e difusão das manifestações artístico-culturais em todos os municípios sul-mato-grossenses. Instituído pela Lei 2.366/2001 e reorganizado pela Lei 2.645/2003, o FIC tem como princípio prestar apoio financeiro a projetos culturais da comunidade, fomentando o mercado artístico e diminuindo a distância do público com as mais diversas manifestações, tradições e valores da cultura. Em 2023 o edital do FIC foi de R$ 8 milhões, contemplando 58 projetos, os projetos são aprovados em duas etapas, uma documental e uma de mérito, onde o Conselho Estadual de Políticas Culturais analisa cada projeto enviado.

Os editais do FIC promovem a democratização de acesso a recursos para as áreas de música, dança, teatro, artes plásticas, audiovisual, literatura e festas populares. Os selecionados participam de programas e ações executadas pela Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul no decorrer do ano, estimulando a valorização e difusão das manifestações artístico-culturais do Estado.

No projeto o termo Trans, diferente do que foi dito pelo ex-deputado, não tem nenhuma relação com a questão LGBTQIA+, mas, sim, refere-se ao trans de ‘transformando’, de transformar caminhos e fronteiras e de ‘transportar’, é transportar a visão dos educadores e do público para além do que se considera inatingível, posto e permanente.

O projeto atingirá 9 cidades da região sul-fronteira (Ponta Porã, Bela Vista, Aral Moreira, Amambai, Coronel Sapucaia, Paranhos, Tacuru e Rio Brilhante) e contempla um dos objetivos do FIC que é a disseminação da cultura e a divulgação cultural em todos os 79 municípios do estado.

O grupo UBU completou em setembro de 2022, 31 anos de trajetória, perfazendo 16 espetáculos, 5 performances, 5 prêmios nacionais conferidos pela FUNARTE e MINC, além de temporadas em MS, MT, GO, SP e RJ.

A peça Porca Prenha está em cartaz desde 2003 e a peça A Moça da Cidade está em cartaz desde o ano 2000.

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