Muro da discórdia: morador diz ter planos para local onde grafite foi "apagado"
Trabalho de grafiteira durou menos de uma hora e presidente de bairro diz que artista não tinha autorização
O que até o fim da tarde desta terça-feira (30) era uma parede colorida, amanheceu um muro rabiscado com os dizeres: “aqui não autorizamos”. Argumentando que a grafiteira, Thais Maia, de 28 anos, não tinha autorização da Prefeitura de Campo Grande para fazer arte na Orla Morena, o presidente da Associação de Moradores do Bairro Cabreúva, Eduardo Cabral, afirma que precisou fazer a intervenção. É ele quem aparece em vídeo atirando tinta branca em um esboço grafitado na sequência do mural que a artista plástica havia acabado de terminar.
A noite ainda não tinha caído quando o morador foi filmado. Imagem feita mais tarde mostra homem, com outras roupas, abaixado perto de uma lata que parece ser de tinta bem em frente ao local onde letras azuis desenhadas por Thais receberam o “carimbo” de “aqui não”.
Cabral narra que foi acionado por vizinhos e “educadamente” foi falar com a grafiteira, explicando que já há um projeto para o local, mas que mesmo assim, a jovem artista não desistiu da empreitada. “Eu disse a ela: ‘aqui você vai perder seu tempo’”.
O presidente da associação explica que desde o ano passado tenta aprovar e arrecadar recursos para revitalizar a arena e escadaria que ficam no coração da Orla Morena, onde acontecem atividade esportivas, culturais e feira livre. “Nós já tivemos o aval da Sectur [Secretaria Municipal de Turismo]”, afirmou, dizendo que a entidade ainda busca autorização da Funesp (Fundação Municipal de Esportes) e licença da Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Gestão Urbana) para tocar o projeto.
A ideia de Cabral é cobrir o espaço com um mosaico, inspirado no Pantanal. O desenho gráfico foi ofertado por artista plástico identificado como Sullivan e a associação espera ter patrocínio de lojas de materiais de construção com a doação de azulejos, argamassa, tinta e outros materiais necessários para a obra. “Nossa ideia foi inspirada na Escadaria Selarón [obra arquitetônica no Rio de Janeiro]”.
Eduardo Cabral afirma ainda tem o aval do município para cuidar da Orla Morena e que a confusão não teria acontecido se a artista tivesse carta branca da administração municipal para grafitar no local. “Jogaram tinta na pedra portuguesa do chão, estragaram a grama que plantamos. A gente reúne dinheiro, faz vaquinha... então aqui, só vai fazer com autorização, conforme a prefeitura nos orienta”.
Ele nega que tenha sido truculento com Thais, apesar de ter sido filmado atirando tinta branca na parede e diz que o muro será pintado. “Estamos convocando um mutirão no sábado para fazer a pintura do local”.
A artista – Thais Maia explica que não buscou autorização formal da Prefeitura de Campo Grande por entender que o grafite, além de expressão cultural e artística, “é visto como revitalização para espaços públicos” e não pode ser criminalizado. “Tanto que a própria polícia passou por lá e não nos impediu. Mas, quando a polícia virou as costas, eles ficaram violentos”.
A artista narra que em poucos minutos o mural de mais de 25 metros, que deveria servir de cenário para oficinas infantis na Orla Morena, foi totalmente descaracterizado. A parede escolhida fica perto da escadaria para onde foi projetado mosaico, mas não é o mesmo espaço.
Thais passou sete horas pintando o paredão, investiu R$ 2 mil em material e menos de uma hora após terminar o trabalho, viu todo o esforço ser destruído. Para a artista, a resistência veio de uma minoria preconceituosa. “Hipocrisia. Querem falar de autorização, mas vandalizam o nosso mural. Papo de ‘cidadão de bem’, mas são mal-intencionados e preconceituosos”.
De fato, ela obteve apoio nas redes sociais e de parte da comunidade, como o de moradora do Cabreúva que fez contato com a reportagem para dizer que considerou a atitude do presidente do bairro desrespeitosa. “Ele acha que a Orla Morena é propriedade particular dele. O que ele fez foi uma tremenda falta de respeito com a artista”, opinou a mulher, que preferiu ter o nome preservado.
A estudante de psicologia Débora Rachel de Mello Pereira, de 26 anos, concorda. “Eu particularmente amo arte grafite e qualquer outro tipo de expressão cultural, na verdade. Só que a nossa cidade tem um problema gigante em relação à cultura. Alguns vêm com uma hipocrisia enorme alegando ser contra lei, e pedindo autorização daqui e dali. Mas a gente sabe muito bem que é algo pessoal, eles não gostam do que não lhe agrada os olhos, e nem os ouvidos e caem matando em cima. Igual essa galera que bagunçou a arte da Thais. Eles falam que o que ela fez é crime e que não é arte, mas o que é que se chama então o que eles fizeram lá?”.
No Instagram, Juliana Moreno Cavalheiro opinou no mesmo sentido. “As pessoas podem até não gostar de certos estilos artísticos. A arte nem sempre agrada. Mas é fundamental ter respeito pelo trabalho do outro. O grafite é arte de rua e representa bem a juventude que ocupa aquele espaço. Apenas respeitem a arte e a artista!”.
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.
Confira a galeria de imagens: