No vai e vem do terminal, Slam espalha poesia, apesar da resistência do público
Poetas encaram terminal de ônibus para declamar poesias, embora muita gente faça cara feia
No vai e vem do dia a dia, o Slam Campão resolveu sair da praça Aquidauana e levar a poesia falada ao terminal de ônibus Morenão, em Campo Grande. A ideia é alcançar cada vez mais o público e fazer com que participem e entendam que as declamações não se tratam apenas de rimas e melodias sonoras. “É uma terapia para as pessoas estressadas da monotonia, que ficam apenas da casa ao trabalho. Quando insere a poesia, alguma coisa muda na vida deles”, afirmou um dos responsáveis pelo grupo, Thales Henrique da Silva.
Slam Campão é um grupo de poetas que se reúnem mensalmente nas praças para recitar poesias e incentivar a cultura. Sem patrocínio de órgãos públicos, o time resiste a decadência da arte de rua. Na Capital, funciona desde 2017 com homens e mulheres fortalecendo a poesia falada.
É a segunda vez que o Slam entra nos terminais. “O intuito é levar a poesia para essa galera mais leiga, fora dos assuntos da revolução. Já que elas não vão atrás, então viemos atrás delas. Vamos espalhar poesia e fazemos tudo com a voz”, destacou Thales Henrique.
Thales é músico e luta pela valorização da cultura, e entrou no terminal para mostrar seu trabalho. Para o público, preparou a poesia “Bem-vindos ao Mato Grosso do Suicídio”, na intenção de provocar uma reflexão. “O nosso Estado é o terceiro mais alto no índice de suicídio e falar sobre isso é interessante. Fiz essa poesia há um tempo”.
O lema é “Foco na missão”, por isso o grupo não poupa a voz e recita versos de resistência, emponderamento feminino, enfrentamento ao racismo e movimento o cenário cultural da através do busão. Os poetas que se apresentaram foram, Luciano Risalde, Alessandra Coelho, Helamã Rédua e Thales Henrique.
O quarteto tentou se apresentar perto das aglomerações de passageiros, para que pudessem entender o que estava acontecendo e até interagir com o grupo. Entretanto, poucas pessoas pararam e viraram o rosto para ver o que realmente significava aquelas palavras.
Dos poucos, apenas o passageiro Leonardo da Silva, que trabalha como catador de lixo, quis dar entrevista e afirmou que a poesia traz alegria. “Alegra e acalma. O pessoal volta do serviço estressado e é bom ouvir as declamações”, disse.
Representatividade - A estudante de Letras, Alessandra Coelha contou que “os movimentos são marginalizados”. “Somos vistos como vagabundos que vão gritar na praça e chamar atenção, mas na verdade não é isso. Fazemos poesias, arte e literatura. O mais importante da arte de rua é levar para as pessoas não têm acesso”.
Ela é natural do Rio de Janeiro e veio para Mato Grosso do Sul em 2018, quando entrou para a faculdade e morou em Jardim. Entretanto, conheceu a proposta do Slam Campão e veio para Campo Grande no começo deste ano, para estudar mais sobre grupo. “É para meu projeto de poesia marginal e poesia marginalizada”, falou.
Alessandra dá forças a representatividade feminina e declamou para o público a poesia “Queria não precisar gritar”. “Queria não precisar gritar Marielle presente nas praças, ruas, terminais. Queria não precisar gritar para que fossemos ouvidos. Tenho fé que veremos uma negra ser respeitada, gente tatuada contratada, mulheres lésbicas não sexualizadas e mulheres emponderada”, iniciou a apresentação.
Para ela, intervenções culturais nos terminais de ônibus são importantes, pois fazem as pessoas prestarem atenção, ao menos três minutos. Até mesmo aqueles que não foram conferir de perto o que era aquele “tumultuo” no terminal, puderam ouvir de longe os poetas, que ergueram a voz para que sua obra chegasse nos ouvidos a todos.
Luciano Risalde afirmou que a arte tem que ser feita em qualquer lugar. “Na calçada, feira, onde tem gente. Aqui é legal porque muitos não conseguem se deslocar no meio da semana para assistir alguma coisa. Aquele tempinho que a pessoa espera pelo ônibus, consegue pegar um pouco de arte e isso futuramente pode virar um lazer”.
Ele é escritor e já fez milhares de poesias, mas no terminal recitou apenas duas “Fala mais da minha mãe” e o “Sangue que corre em mim, sai da tua veia”, que é sobre racismo. “Para ver se a gente não esquece, desde a primeira série, mentira antes mesmo da creche. Já sabes que a vida é mais difícil por causa da sua cor de pele, para tal serviço não serve porque tem pele preta ao invés de branca, é mulata ao invés de bege, cabelo cachopa ao invés de topete, porque não mora no Alphaville e sim no gueto da zona leste. Porque não conseguiu estudar inglês em escola participar, porque desde pequeno tem que trabalhar para em casa ajudar, nas contas de água, luz, comida, e internet”, declamou.
A temporada do Slam nos ônibus continua até sábado, a partir das 17h, e o grupo pode passar outros terminais. Durante as apresentações vai rolar um chapéu colaborativo, e o dinheiro arrecadado será usado no aluguel de dois banheiros químicos para os eventos que ocorrem na praça Aquidauana. “Cada banheiro é R$100,00”, disse Thales Henrique.
A Revolução - No dia 20 deste mês, às 19h, o grupo se reúne na praça Aquidauana para o evento “A Revolução”, que tem a ideia de questionar o que acontece após a revolução. Outra questão que será abordada é se “a luta social dos participantes traz benefícios para a sociedade ou para a classe que pertence”.