Aos 95, há o Manoel da praça, aberto ao público, e o de casa, refugiado nas letras
Poeta faz aniversário hoje, recluso em sua casa, mas ativo: acabou de publicar o livro-brinquedo "Escritos em Verbal de Árvores"
Ao completar 95 anos, o poeta Manoel de Barros resolveu mudar. Deixou para trás a aversão a exposições públicas e assumiu o estrelato. Diariamente, em praça pública, troca a fama de tímido por abraços e afagos, posa para fotografias e se esmera em atenção aos fãs.
Aos ainda incrédulos, sobram indagações: Será que a fama de escritor comentado na novela das oito lhe subiu a cabeça? Ou às vésperas da eleição resolveu se enveredar pela política, com uma agenda sorridente e repleta de criancinhas?
Na verdade, o poeta virou dois.
O de Barros, ser letral filho de João e Alice, ainda mora no Jardim dos Estados e segue distante da superexposição de maior poeta vivo.
Longe dos flashes, prossegue a inaugurar a infância da língua. Na incessante procura da palavra. Como um menino nonagenário, que inverteu a lógica e caminha com os pés no firmamento, recolhendo do chão caramujos, lesmas, latas, trastes que, definitivamente, dão para a poesia. Humanizou “coisas”.
O Manoel de concreto e ferro faz serão na Praça Pantaneira, no Paço Municipal de Campo Grande. Rosto mais sisudo que o poeta de verdade, contrapõe a diferença com a disponibilidade para o público. Matreiro, até parece escrever. Mas logo para e se dedica ao que mais gosta: atender ao público. A versão exibida do Manoel recluso nasceu das mãos do artista plástico Levi Silva.
Escondido-Voltando ao Manoel, ou Nequinho, de carne e osso, a reclusão agora parece profissão de vida do poeta.
Hoje, 19 de dezembro, dia de seu aniversário de 95 anos, Manoel terá a visita apenas dos filhos e netos, “sem bolo nem parabéns cantado”, como revela a esposa, Estela.
“Ele vai comemorar escondido”, define a companheira. Estela atende a reportagem por telefone, simpática como sempre. A mulher que divide a vida com o escritor tido como o maior poeta brasileiro vivo usa a simplicidade para falar do cotidiano ao lado de Manoel.
“É como qualquer casal de velhos de mais de 90 anos”. A repórter-admiradora tenta, ainda, uma palavrinha com o poeta, um pedido de entrevista para a data simbólica. Estela rejeita, não sem se desculpar. “Ele não gosta”, esclarece.
Manoel aumentou a reclusão ao perder um dos filhos, em um acidente de avião, e nos últimos meses, a dificuldade de ouvir inerente à idade, e o “medo de levar tombo”, como reveleu recentemente em uma entrevista por e-mail, o fazem ficar ainda mais em casa.
Este ano, diferente dos outros, nem vai para a fazenda, avisou Estela.
Mas do “lápis que sai sentimento” ele continua gostando. Seu livro mais recente, lançado no mês passado, é uma declaração de amizade. Manoel poetiza, em versos curtos, a morte de Bernardo, o peão de sua fazenda que vai e vem em seus livros.
Além do já conhecido lirismo de Manoel, as ilustrações também são dele,e o projeto gráfico diferenciado faz do livro e de suas possibilidades de dobraduras um brinquedo literário. O poeta de nove décadas segue um menino escrivinhador.