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Comportamento

Adotado aos 17 anos e "deixado" aos 18, sonho de Alcindo é o basquete

Se na noite de Natal pudesse acontecer um milagre, Alcindo gostaria de virar jogador de basquete

Paula Maciulevicius Brasil | 24/12/2019 06:12
Alcindo conta sua história, de quem viveu num abrigo à espera de uma família. (Foto: Ricardo Gael)
Alcindo conta sua história, de quem viveu num abrigo à espera de uma família. (Foto: Ricardo Gael)

Por trás da pele negra e do 1,94m de altura existe um menino que viveu a vida tendo um único sonho: o de ter uma família. Alcindo da Silva de Almeida tem hoje 18 anos, a maioria deles vividos dentro de um abrigo em Anastácio, às margens do Rio Aquidauana. Ele diz que para contar os detalhes de sua história precisaria de dias, e prefere resumir em poucas palavras o que espera para o ano que se aproxima: se fixar no quartel e voltar a jogar basquete.

O rapaz foi adotado ano passado, quando tinha 17, por uma família de Campo Grande. "Eu morava no abrigo e eles foram lá visitar. Gostaram de mim e a gente começou a conversar", conta o garoto. Conversa vai, conversa vem, o casal entrou com o processo de adoção e deu certo de Alcindo ir morar com a família.

"Só que quando a gente começou a se conhecer mesmo, era muita briga entre eles. Muito xingamento por qualquer coisa. Eu até sentei para conversar com eles e explicar, porque eu esperei tanto tempo para ter uma família que eu não queria que fosse desse jeito", descreve. 

Lembranças do Natal ficam por conta do tempo em que viveu no abrigo e ganhava festinha da Justiça. (Foto: Ricardo Gael)
Lembranças do Natal ficam por conta do tempo em que viveu no abrigo e ganhava festinha da Justiça. (Foto: Ricardo Gael)

No coração, Alcindo esperava que o diálogo resolveria. No entanto, as coisas não mudaram, até que chegou num ponto em que ele não quis mais morar com os pais adotivos. "Aí eu falei que ia embora, não queria mais morar com eles. Eles ficaram sem falar comigo até eu ir embora de casa, praticamente um mês", conta.

Como à época o menino trabalhava de estoquista em uma papelaria, pediu a um colega que o ajudasse e, com o carro do amigo, colocou as poucas coisas que tinha no bagageiro e levou para a quitinete que conseguiu alugar, no bairro Cabreúva.

"Eles não quiseram nem saber onde eu ia morar, não quiseram falar onde eles iam morar também, porque ele [o pai adotivo] foi transferido", completa. O aluguel foi pago com a ajuda da diretoria do abrigo onde o menino cresceu e a esperança é de que ele consiga servir o quartel. Alcindo não teve resposta ainda e só deve saber se poderá contar com a estabilidade do serviço militar em janeiro. 

"Eu sei fazer de tudo, sei cozinhar, sei fazer serviços em geral também. Quero servir o quartel ou arrumar um emprego e voltar a estudar, porque eu estava fazendo EJA, mas parei porque eles estavam pagando", pontua. Alcindo tem até o 1° ano do Ensino Médio completo.

Sobre trabalhos, até saber se vai servir ou se será dispensado, Alcindo diz que aceita fazer qualquer coisa. E hoje ele começaria no novo emprego, atendente de uma padaria. "Minhas qualidades? Acho que eu aprendo muito rápido. Aprendi a tocar bateria em duas semanas. Tinham 12 alunos, em uma semana ficaram cinco. Três, quatro dias depois, só ficou eu fazendo e em duas semanas eu estava tocando na igreja", conta. O relato é do tempo em que viveu no abrigo.

Desta mesma época, a lembrança que ficou foi o basquete. Alcindo não pode ver uma quadra e uma cesta que logo coloca para fora o atleta que tem dentro de si. "E eu estaria jogando em Maracaju se não fosse eles [os pais adotivos]. Tipo, não foi só uma coisa para eles. Eu também abri mão de algumas coisas, eu ia jogar no time de Maracaju, mas abri mão disso para vir para cá e deu no que deu".

O desânimo é nítido na cara de quem viu os sonhos terminarem. "Essas coisas que vão acontecendo só acabam com a gente. Aí fui meio deixando de lado, mas eu sempre quis ser jogador", afirma. 

Imagem de um dos treinos do menino Alcindo. (Foto: Arquivo Pessoal)
Imagem de um dos treinos do menino Alcindo. (Foto: Arquivo Pessoal)

As boas lembranças de Natal de Alcindo estão ligadas aos presentes que o Fórum dava para as crianças do abrigo. Como ele não cresceu com a família, não conheceu pai e nem mãe, as ceias eram as festinhas que o Tribunal de Justiça organizava. "O Natal é legal, porque o pessoal do Fórum vai lá e pergunta o que a gente gostaria de ganhar. Eles fazem uma listinha entre eles, juntam um dia e vão lá entregar para as crianças, tem tipo uma festinha", recorda. 

Sobre a noite de hoje, Alcindo é bem realista e se atém a pensar que este é só mais um dia no calendário. "Sinceramente? Pra mim é mais uma data que vai passar. Não estou preocupado com isso, é meio que um dia qualquer. Mas se pudesse hoje acontecer um milagre, gostaria de virar jogador de basquete". 

O sonho da família foi substituído pelo esporte, mas uma oportunidade de emprego é o que ele mais deseja agora. "Eu sonhava com uma família que me acolhesse, sabe? Que gostasse de mim de verdade. Esperei a vida inteira para ter uma família, porque morei a vida inteira num abrigo e, quando surgiu essa oportunidade, eu abracei. Seria a primeira a última oportunidade. Só que não deu certo. Em 2020, quero outra vida, espero ser o melhor ano da minha vida", sonha.

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