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Comportamento

Artrite pegou Fernanda de surpresa e mudou sua vida aos 24 anos

A jovem artesã teve os primeiros sintomas durante uma viagem, onde mal tinha forças para levantar

Raul Delvizio | 02/04/2021 07:31
Aos 24 anos, Fernanda foi diagnosticada com doença que costuma se manifestar na velhice (Foto: Arquivo Pessoal)
Aos 24 anos, Fernanda foi diagnosticada com doença que costuma se manifestar na velhice (Foto: Arquivo Pessoal)

Até os 24 anos, a artesã Fernanda Gabriela da Silva pode aproveitar a vida sem que a dor fosse o empecilho que é hoje. Seu sonho sempre foi viajar, conhecer novos lugares e espalhar sua arte pelas ruas mundo afora. E assim o fez. Porém, quando foi diagnosticada com doença autoimune crônica ainda jovem – em uma faixa etária incomum, mas possível – viu alguns de seus planos mudarem da água para o vinho.

Agora, continua fabricando em casa objetos de macramê e colares que tanto gosta e com a presença desagradável, constante e repentina da dor que vem, ora ou outra, em fisgadas nas suas articulações. O jeito foi se adaptar à nova realidade e conviver com a artrite reumatoide pelo resto da vida, por meio de medicamentos que até minoram os sintomas, mas que nunca vão cura-los.

Durante viagem na América do Sul que fez ao lado do ex-namorado (Foto: Arquivo Pessoal)
Durante viagem na América do Sul que fez ao lado do ex-namorado (Foto: Arquivo Pessoal)

"Sempre fui muito ativa. Andava de bicicleta, fazia caminhada, produzia minha arte, ia para as ruas vender. E de repente me vi sem poder me movimentar, sem poder ir trabalhar ou ao menos criar meus acessórios. Só passava pela minha cabeça que minha vida tinha acabado. 'Do que é que eu vou viver agora?', pensava. Meu coração partia ao meio por não ter forças para sair da cama. Foram dias agonizantes que, se eu não tivesse o apoio da minha família e a vontade de continuar tocando as pessoas por meio da minha arte, não sei se ainda estaria aqui", afirma.

Desde seus 19 anos, Fernanda viajou ao lado de um ex-namorado para diversos estados brasileiros e ainda conheceu países como Uruguai, Bolívia e Peru. Quando o relacionamento terminou, ela não desistiu de continuar sua "peregrinação" sobrevivendo do que já fazia anteriormente: expondo seus artesanatos na rua e comercializando itens manuais em vendinhas improvisadas.

Registro ao lado de uma mulher peruana com típicas vestimentas (Foto: Arquivo Pessoal)
Registro ao lado de uma mulher peruana com típicas vestimentas (Foto: Arquivo Pessoal)

No interior de São Paulo, Fernanda conheceu uma amiga e juntas embarcaram numa viagem de três meses pela região Sul – isto com a intenção de, primeiramente, passar por Foz do Iguaçu e seguir direção para a Argentina. Até então ela se sentia bem e feliz da vida, dormindo em barracas e vivendo intensamente, conta. Quando chegaram no município de São Francisco do Sul (SC), porém, os primeiros sintomas tiveram início.

"Senti um mal estar que, a princípio, achei que fosse devido ao cansaço da viagem e carregando muito peso. Deitei super cedo, umas 16h. Quando era de madrugada, acordei e tentei me levantar, mas não conseguia sair do chão. Meu corpo simplesmente não respondia às minhas vontades – não tinha forças nem para abrir a barraca. Tomei um remédio qualquer e achei que aquela dor passaria", relembra.

Mas não passou. Com a ajuda da amiga, ela foi até uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) e, durante 1 semana, recebeu três injeções para aquela dor que sentia. "Os médicos me diziam que poderia ser várias coisas, mas não davam um diagnóstico pelo fato de eu estar em uma outra cidade e sem poder fazer exames".

Em uma das viagens, já no Brasil, foi onde Fernanda teve os primeiros sintomas da artrite (Foto: Arquivo Pessoal)
Em uma das viagens, já no Brasil, foi onde Fernanda teve os primeiros sintomas da artrite (Foto: Arquivo Pessoal)

Ela tentou prosseguir com a viagem, mas não tinha forças. "A dor era tanta que eu não conseguia nem raciocinar", relata. Sua amiga aconselhou de voltarem para casa. Sem dinheiro para sair de Santa Catarina até Campo Grande, as duas tiveram que se virar nas vendas e conseguir dinheiro suficiente para a passagem até a capital Curitiba – até dormiram na rodoviária. Lá, contaram com a sorte de uma assistente social que resolveu os bilhetes para cada uma delas.

Já em Campo Grande, o que já estava ruim ficou ainda pior. "Em uma semana meu corpo parou de vez. Minhas mãos e pés começaram a inchar, eu já não conseguia mais levantar da cama sem o auxílio da minha mãe. Meu maxilar travou, e nem falar direito eu conseguia. Sentia tanta dor que minha vontade era a de morrer para curar", recorda.

Nas semanas que se seguiram, Fernanda tentava achar respostas em diferentes atendimentos de saúde pública na Capital. "Disseram que eu estava com uma infeção pulmonar. Tomei remédios por alguns dias e sem nenhuma melhora, pelo contrário, só me sentia pior. Fiz novos exames e na sequência me confirmaram reumatismo. Também tomei injeções e nada. Cada vez que eu passava por isso eu ficava triste e desacreditada da vida, sem forças para trabalhar, comer, levantar, só emagrecia. Até que um dia uma amiga me levou a um reumatologista de sua confiança. Me ajudou não só com a indicação, mas com o valor da consulta. Foi aí que descobri a".

Indisposta e sentindo muita dor, Fernanda tinha muita dificuldade em se levantar da cama (Foto: Arquivo Pessoal)
Indisposta e sentindo muita dor, Fernanda tinha muita dificuldade em se levantar da cama (Foto: Arquivo Pessoal)

Para quem desconhece, se trata de uma doença inflamatória crônica e autoimune, que não tem cura, provocando dores, rigidez, vermelhidão e inchaço das articulações pelo corpo, especialmente as dos joelhos, quadris, dedos, tornozelos, cotovelos e ombros. Na caso de Fernanda, principalmente as mãos – sua ferramenta de trabalho. Diferente do que se pensa, não é uma doença exclusiva de idosos, mas pode acometer as mais diversas faixas etárias.

Na época, o tratamento seria a base de corticóide e imunossupressor. Medicamentos todos esses de alto valor mensal que Fernanda agradece por ter conseguido entrar na Assistência Farmacêutica Especializada (Casa Da Saúde) do SUS (Sistema Único de Saúde).

Depois de 4 meses seguindo à risca com um determinado medicamento, se sentia mais indisposta do que antes, inchada e com dor. Trocou de medicação. "Já são 3 meses tomando a leflunomida, e os resultados ainda não estão como deveriam. Ainda continuo com dores, bem menos do que sentia antes, é claro. Então me receitaram um remédio biológico, a certolizumabe por meio de duas injeções subcutâneas a 15 dias. Tem funcionado", descreve.

"Minha vida ainda não voltou ao normal e ainda tenho algumas limitações. Tem dias que acordo péssima, cheia de dores, entretanto já me sinto mais vitoriosa até o momento. Voltei a ter forças para trabalhar e fazer minha arte, que é 100% artesanal e necessita muito das mãos. Quando estava doente, não conseguia nem fechá-las que dirá pegar nas linhas".

Entre macramês e acessórios fashion, aqui um colar feito pela artesã (Foto: Arquivo Pessoal)
Entre macramês e acessórios fashion, aqui um colar feito pela artesã (Foto: Arquivo Pessoal)

Luta – Em agosto do ano passado, em plena pandemia e ainda muito mal de saúde, Fernanda resolveu não ficar mais parada. Sem ir às ruas tanto pela questão da covid-19 quanto por causa da artrite reumatoide, ela investir nas vendas on-line.

"Sempre fui independente e precisava voltar a me sustentar já que não era mais possível fazer as vendas nas ruas. Fiz um perfil nas redes sociais, postei as fotos do que eu já tinha pronto e comecei a receber elogios. Sem nem imaginar, essas pessoas mandavam boas energias pra mim. Comecei a voltar a produzir e, no final de 2020, foi quando realmente tive forças e também quantidade suficiente de produtos para expor nas ruas", conta.

Fernanda sempre teve o costume de vender na rua; com a pandemia, criou lojinha virtual (Foto: Arquivo Pessoal)
Fernanda sempre teve o costume de vender na rua; com a pandemia, criou lojinha virtual (Foto: Arquivo Pessoal)
Colar feito com conchas, design de Fernanda e fabricado por ela mesma (Foto: Arquivo Pessoal)
Colar feito com conchas, design de Fernanda e fabricado por ela mesma (Foto: Arquivo Pessoal)

Fernanda não nega que é isso o que mais gosta estar fazendo. "Conversar com as pessoas, contar as histórias das peças, compartilhar aprendizados. Voltei a trabalhar algumas limitações, é claro, já que não consigo mais subir no ônibus com todo o peso que carrego nem mais ir ao Centro de bicicleta. Sem falar da pandemia em si. Mas estou feliz. A lojinha virtual também está me ajudando nesse processo, quase que terapêutico. Não só consigo pagar meu tratamento, mas é minha arte que me propicia voltar a uma normalidade de vida", garante.

"Eu digo que eu passei por dois renascimentos: o primeiro com o artesanato e o segundo com a artrite. Elas duas formam a pessoa que sou hoje, mais apaixonada pelo que faço, mais resiliente e convicta de que tenho muita força para superar obstáculos e mostrar para o que vim ao mundo. Hoje sei que diagnóstico nenhum me define, e que a artrite não será capaz de me fazer desistir", finaliza.

Confira a marca virtual Afrô Arte Macramê de Fernanda em seu perfil no Instagram.

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