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Comportamento

Carla escolheu região mais violenta para lutar por quem precisa

No Dia Internacional das Mulheres, o Lado B conta a história de Carla, que luta por transformação social

Por Aletheya Alves | 08/03/2024 07:44
Carla é presidente do Instituto Maná do Céu para os Povos, no Jardim Canguru. (Foto: Arquivo Pessoal)
Carla é presidente do Instituto Maná do Céu para os Povos, no Jardim Canguru. (Foto: Arquivo Pessoal)

Falar sobre o Dia Internacional das Mulheres é lembrar das diversas lutas que continuam sendo necessárias. Por isso, o Lado B decidiu celebrar a data contando a história de uma mulher admirada por sua coragem e te convidamos a contar em nossas redes sociais sobre as mulheres que você admira. Para começar, vamos falar de Carla Rodrigues, uma pedagoga que entrou na região mais violenta de Campo Grande para lutar por quem precisa.

Hoje, Carla é presidente do Instituto Maná do Céu para os Povos (uma organização da sociedade civil voltada para crianças e jovens) e, sendo uma mulher negra, os desafios foram e continuam sendo constantes. Mesmo assim, sua decisão foi de não abandonar o projeto social e seguir insistindo naquilo que acredita.

“Escolhi o Canguru e ele me escolheu, me acolheu. Eu não conhecia a realidade da periferia de Campo Grande, principalmente a região do Anhanduizinho que é a mais populosa e perigosa. Quando me deparei com esse território, com as crianças e as famílias, eu tive a mesma sensação de quando precisei optar pelo trabalho, a sensação de propósito ativado. Eu queria servir aquele lugar e aquelas pessoas”, introduz Carla.

Descrevendo o que viu na periferia, a pedagoga aponta que sentiu um território esquecido tanto pela sociedade quanto pelo poder público. “Muitos nem sabiam que ali existiam favelas. Depois que conheci aquela realidade e vi toda a omissão naquele lugar, percebi que não poderia me calar. Eu precisava contribuir para que aquelas pessoas tivessem autonomia, contribuir para que pelo menos elas fossem olhadas”.

Tendo feito uma especialização no Rio de Janeiro, na favela da Maré, ela conta que conseguiu notar similaridades com o Canguru.

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Uma comunidade em extrema vulnerabilidade social, comandada pelo crime e pelo tráfico de drogas. Muitas crianças e adolescentes nas ruas servindo de aviãozinho para o tráfico. Era literalmente, tiro,porrada e bombas dias sim e dias não, diz Carla.

Com tudo isso sendo enfrentado, o desafio também se reforçou por ser uma mulher negra, como ela diz. “As pessoas queriam descredibilizar meu trabalho, mas com o tempo aprenderam a respeitar minha experiência, principalmente na garantia de direitos de crianças e adolescentes”.

Retornando ao início da sua história, ela conta que sempre gostou de brincar de escolinha quando criança. A diferença é que ao invés de ser professora, se apresentava como diretora.

“Eu queria ser igual a minha mãe que era funcionária pública federal. Eu a admirava muito, pois ela sempre foi independente e autônoma, eu achava o máximo. Na adolescência, pensei em biologia e medicina, mas na juventude cursei fisioterapia e na fase adulta fiz pedagogia”, explica Carla.

Durante o período de estágio, ela narra que ingressou em algumas escolas públicas e foi convidada a dar aulas como professora substituta. Mas, no meio do caminho, o Maná foi fundado por seu irmão.

Ela narra que em 2011, o instituto conseguiu seu primeiro grande projeto, uma ação de atletismo patrocinada pela Petrobras chamada Velozes do Amanhã. E, um ano depois, ela foi convidada para ser a coordenadora pedagógica que trabalharia nesse projeto.

“Me senti muito desafiada. Eu gostava muito de dar o reforço escolar e quando ele me fez a proposta não pensei duas vezes. Eu estava trabalhando em um cargo público federal como havia esperado, então iria assumir em apenas um período. Nesse intervalo de tempo, engravidei”, relembra.

Carla recebendo reconhecimento sobre trabalho prestado pelo instituto. (Foto: Arquivo Pessoal)
Carla recebendo reconhecimento sobre trabalho prestado pelo instituto. (Foto: Arquivo Pessoal)

Após uma gravidez de risco, ela percebeu que o serviço público não fazia sentido e decidiu trabalhar em um local que facilitaria o contato com sua filha. “Quando a Fabíola nasceu, meu propósito foi ativado. Mesmo que eu não soubesse qual era, tinha o desejo de contribuir para o desenvolvimento de crianças e adolescentes”.

Carla explica que começou a pensar sobre como tantas mulheres passavam pelas dificuldades da gestação sem ajuda e nas crianças. “Foi necessário ativar a coragem, quebrar a ponte da zona de conforto e avançar. Ainda hoje, todos os dias eu ativo essa coragem”.

Em 15 anos atuando no campo social, a vontade de desistir já apareceu, mas precisou ser deixada de lado. E, além de tudo isso, a vida pessoal também precisou ser olhada.

A responsável pelo Maná relata que foi graças a outras mulheres que conseguiu seguir na luta. “Por muito tempo eu não tive vida pessoal, eu morava no Maná e visitava minha casa, mas eu tinha minha mãe que me dava suporte. Em 2018 após a morte dela, eu precisei dar vários passos para trás para conseguir ser mãe, mulher empreendedora social. Mãe de 4 filhas foi um desafio, eu levava as crianças pro Maná comigo, a Hadassa a minha pequena de 5 anos dormia embaixo da minha mesa no bebê conforto. Elas me acompanham em tudo”.

Hoje, sua irmã e a filha mais velha são as que ajudam com os pequenos. “Converso muito com minhas filhas, principalmente sobre oportunidades e gratidão. Falo muito para elas o quanto é importante saber quem somos. Reforço nelas a identidade de mulher negra e as afirmo o tempo todo falando sobre o quanto são preciosas, lindas, inteligentes e capazes. Quero que elas saibam que todos os espaços são delas”, completa.

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