Com 2 infartos e 3 AVCs, Raimundo casou aos 79 anos e com a vizinha
O ex-vendedor de carros é um homem "chorão" e carrega diversas saudades no "peito grampeado"
Na varanda da residência azul com portão de ferro pintado de branco, um senhor descansa dias e tardes sentado numa cadeira de fio. O homem que cumprimenta todos que passam na Rua Maria Stuart de “filho”, “filha”, “dona menina” e “amigo” fica todo faceiro quando recebe um simples “oi” de volta. Para Raimundo Mendes Pereira, de 84 anos, a parte mais gostosa do cotidiano é ouvir uma saudação de volta. “Quando eles me cumprimentam, eu fico feliz”, garante.
Raimundo, o "Raimundinho", é um homem costurado pelas adversidades da vida. Na pele, as cicatrizes indicam intervenções cirúrgicas e quando ele abre a boca para contar sobre, é difícil não ficar surpreso. Ele já sobreviveu a três AVCs (Acidente Vascular Cerebral) e dois ataques cardíacos, sendo o último há menos de seis meses. Por esse motivo, Raimundo tem três pontes de safena e se diz “grampeado” no peito. “Ninguém tem coragem de tocar aqui em mim, porque é tudo ferro”, fala.
Para conversar com Raimundo, é preciso entender que ele é um homem sensível. Durante a entrevista, perdi as contas de quantas vezes o ex-vendedor de carros ficou emocionado e precisou limpar as lágrimas. “Essa deve ser a primeira vez que você entrevista um chorão, né?”, indaga.
O comportamento mais emotivo, segundo ele, ocorreu após a última cirurgia. “Depois da cirurgia, o doutor falou para mim: 'Seu coração tá batendo mais que escola de samba'. Mas falei para ele que tinha algo errado, porque eu não chorava e agora, choro o tempo todo”, expõe.
Um dos assuntos que comovem Raimundo é a ex-esposa, com quem ficou casado mais de 50 anos. É só falar da Marina, falecida há seis anos, que ele cai no choro. “Sinto muita saudade dela”, confessa. Apesar de sentir falta, o aposentado deu outra chance ao amor e casou com Zenilda Carlos Garcia, de 70 anos. Com direito a cerimônia religiosa, o casal trocou as alianças há cinco anos. “É com ela que vou terminar a vida, essa mulher é muito boa para mim”, afirma Raimundo.
Antes de engatarem o relacionamento, Raimundo e Zenilda já se conheciam, pois eram vizinhos há 32 anos. “Ela viu o marido bom que fui para a outra”, brinca. A “Ze”, como é chamada, relata que a antiga amiga fez um pedido antes de partir. “Ela falou: 'Ze, se eu morrer primeiro, você cuida dele para mim?'. Eu falei: 'Claro, Marina! Eu não vou deixar ele abandonado'”, lembra.
Um ano depois do falecimento, os dois oficializaram o casamento e a Ze fez mudança definitiva para a residência de Raimundo. Ela revela que apesar de ter tido outros dois relacionamentos, essa é a primeira vez que ela se casou. “Eu não queria casar, porque já tinha me separado do pai dos meus filhos, mas casei. Eu só falei para ele que iria casar se fosse no civil ou religioso, porque não queria mais esse negócio de ficar amasiada”, conta.
Agora, um cuida do outro e a mulher é a principal companhia de Raimundo. Ele quase não sai de casa, mas quando atravessa o portão para a rua, é sempre a Ze quem está do lado dele. Na residência, ele também recebe a visita do único filho Ademir Pereira Batista, que é proprietário do Corcel tom caramelo estacionado na garagem. O amor por carros antigos foi passado de pai para filho e, antes do Corcel, Raimundo tinha um Fusca. O veículo, ele deu de presente para o neto mais velho.
Durante 36 anos, Raimundo atuou como vendedor de carros na Avenida Afonso Pena, entre as avenidas Ernesto Geisel e Noroeste. Desse lugar, ele garantiu o sustento da família e da casa e só parou de trabalhar para cuidar da primeira mulher. Ao falar do antigo emprego, ele volta a chorar. “Eu sinto saudade do meu tempo de trabalho, das escadas da Morada dos Baís, que era onde eu ficava até pegar meu carrinho e vir embora”, recorda.
Devido às décadas de trabalho, ele ainda é reconhecido quando visita a região. “Quando vou cortar o cabelo, todo mundo fala: 'Ó, o veinho, não mexe com ele'”, relata. Questionado se gosta de passar pelos lugares e ser reconhecido, Raimundo responde que sim. “É bom demais da conta”, ressalta.
Natural do Ceará, Raimundo conta que já fez de tudo na vida, menos matar e roubar. Antes de ser vendedor, ele trabalhou em colheitas de café, algodão e também foi pintor. Em razão desse ofício, Raimundo foi quem pintou a casa toda de azul e diz preferir assim, pois não gosta de sujeira.
Com a voz mansa, Raimundo foi contando sobre a vida que levou e das saudades carregadas diariamente no peito. Entre lágrimas e risos, o ex-vendedor de casa abriu o coração e a casa para mostrar tudo que guarda em ambos os locais. O recorte do jornal impresso onde apareceu, o porta-retrato da mãe Cândida e o pai Joaquim, o antigo baralho da mulher e a foto ao lado da Ze são as recordações que o rodeiam.
No final da reportagem, ele sorriu feliz ao lado do Corcel do filho e fez mais de uma pose para sair na foto. O homem de gestos simples, emotivo e bastante receptivo voltou para a varanda e o espaço que o acolhe melhor do que nenhum outro no Bairro Coronel Antonino.
Raimundinho, caso você tenha lido a matéria e chorado de novo, não tem problema! Espero que da varanda de casa, você siga cumprimentando todos na rua e recebendo os “oi” que o deixam contente.
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