Depois de ensinar cidade toda a montar, seu Pércio vive hoje de tratar Soñadora
Pércio e Soñadora. A cena dos dois pela hípica do Círculo Militar parece ter saído de um filme. O nome da égua, pelo menos, veio de um longa metragem. Aos 91 anos, o capitão aposentado hoje vive de tratar a égua que ganhou do filho para que os outros possam fazer o que por décadas foi sua vida: montar. Seu Pércio passou pelo câncer, tirou parte do rim, intestino e próstata, mas não venceu o problema na retina e é por conta disso que saltar agora é só através dos outros cavaleiros.
Todos os dias ele sai de casa - próximo ao Shopping Norte Sul Plaza - e vai à pé até a hípica. O trabalho é o de preparar Soñadora e vê-la brincando pela areia. Nas mãos do instrutor, a égua deita e rola quase igual a um cachorro e se a terra estiver quentinha, ela até tira um cochilo sob o sol.
Nascido em Bela Vista, seu Pércio conta que sabe montar desde os 3 anos de idade. "Isso tem muito tempo, mas era uma época que não tinha carro e nem transporte, então era só cavalo. Papai tinha e quando eu fiz 3 anos de idade, tinha que aprender a montar", conta Pércio Vargas da Rosa.
Em novembro de 1945, ele entrou para o Exército, onde aprimorou as técnicas na escola de equitação no Rio de Janeiro e de volta ao Estado natal, passou a ensinar. Os soldados que entravam não sabiam montar.
"Ela gosta de sol, eu vou fazer ela dar um salto de guia para você ver", se gaba Pércio. De raça inglesa, Soñadora nem parece, mas era brava a ponto de não deixar ninguém nem lhe encostar a mão. Foi o tempo, a dedicação e a paixão de Pércio que fez com que ela se abrisse para o carinho.
"É uma raça que tem que saber trabalhar, tem instinto de velocidade. Ela está com 7 anos, demorei 3 para amansar", relata.
Desde o tempo em que ensinava os soldados até a fundação da hípica do Círculo, seu Pércio contabiliza 60 anos como professor. "Eu que fundei a hípica aqui. Cheguei a ter 130 alunos. Dava aula de manhã, de tarde e à noite", enumera. E de cabeça, ele também sabe o caminho que quem aprendeu com ele seguiu. Um nos Estados Unidos, outro em Costa Rica e por aí vai.
"O cavalo é um animal que dá satisfação para a gente montar. Só você montando para ter essa satisfação, desde que seja manso e dócil. Essa égua teve que ser trabalhada, é justamente o que eu faço com ela", explica.
E o que, afinal de contas, seu Pércio tem ensinado para os cavaleiros ao longo de tantos anos? "Para aprender a saltar, primeiro tem que aprender a montar. Tem que ter flexionamento, a cintura tem que ser móvel para poder acompanhar o cavalo. Se ele não tiver cintura flexionada, vai dar problema de coluna. Eu por exemplo, tenho 91 anos, monto há mais de 80 e nunca tive nenhum".
E o alerta vai para a calma. É preciso aprender passo a passo antes de saltar. "Não adianta cavaleiro querer começar hoje a montar e já saltar. Ele não tem condição de acompanhar o salto", avisa.
O trabalho diário com Soñadora é feito das 9h às 11h. A distância da ida, ele jura que nem sente. "Eu não medi ainda, mas acho que deve ser longe. Para mim, é perto", brinca.
"Se eu sou feliz com cavalo? Olha, para mim é terapia. Eu estou com 91 anos, quando estive ruim mesmo, eu fui lá com São Pedro e ele falou: não está na sua hora ainda e eu pedi para ser o último da turma. Mas é assim, você tem que ter uma atribuição, uma coisa para fazer, ficar dormindo em casa não dá", conclui.
O recorde dele foi um salto de 1,70m aos 70 anos. Cavalo, para quem conhece como ninguém, sabe que o animal não é inteligente, mas tem uma memória. "Tem que saber trabalhar e dar carinho. Eles têm uma memória impressionante. O que você faz de bom, ele não esquece, o que faz de ruim, também. A Soñadora me entende, o que eu tenho que corrigir eu corrijo e também trago cenoura para ela que o que fez ela amansar. Ela nem deixava encostar", brinca seu Pércio. Hoje Soñadora deita e rola antes dos treinos.