Em Uber, passageiros deixam o que fariam em seu último dia de vida
No carro de Raísa, passageiros recebem cadernos sobre o que fariam se tivessem um último dia ou último ano
De emprestar dinheiro com agiota para viajar com a família até comer um sorvete caro, os desejos para o último dia de vida ou o último ano de passageiros são uma caixa de surpresas. Há oito meses, Raísa de Bacarji Jardim começou a trabalhar como motorista de aplicativo e se viu cada vez mais interessada por saber sobre quem entrava no carro. Assim nasceram caderninhos interativos.
Apaixonada por escrever, a psicóloga comenta que ter um caderno e livros no carro seria algo natural. E, a partir das experiências que viveu como motorista, decidiu criar o quebra-gelo com os passageiros.
“Já entraram mais de 1300 pessoas no carro e fico com vontade de conhecer mais essas pessoas, vontade de angariar ideias e criar um projeto em cima disso. Acho que não quero deixar passar em branco”, comenta sobre como os cadernos surgiram.
Nos cadernos disponíveis hoje, Raísa brinca com a efemeridade da vida, como ela diz. “São questões que acabam sendo metáforas do que senti sendo motorista de aplicativo, são formas de pensar no que os passageiros são simbolicamente”.
E, sabendo que as perguntas podem ser polêmicas para alguns, a psicóloga faz questão de orientar sobre o cunho lúdico da brincadeira.
“A morte ainda é um tabu social, enfim, pode trazer gatilhos e, por isso, falo para que as pessoas não levem a pergunta tão a sério. É mais uma forma de brincar com as próprias fantasias, com os próprios desejos. A gente tem a mania de procrastinar, ficamos adiando aquela conversa que queremos ter. Então, é mais uma forma de reflexão minha que surgiu naquele contexto e eu joguei para os passageiros”, detalha sobre a dinâmica.
Assim como os cadernos, canetas são disponibilizadas nas portas para quem se interessar. E, segundo Raísa, a maioria dos passageiros acabam não perguntando sobre a dinâmica, mas quando são informados sobre elas costumam topar o desafio.
Sobre as respostas que já recebeu até agora, a motorista comenta que a variedade é realmente ampla. “Nas respostas sobre o último ano, as pessoas falam muito sobre aproveitar a vida, viver com mais intensidade os momentos em família. Uma engraçada que recebi diz que a pessoa pegaria dinheiro com agiota e levaria a família para a praia”.
Além destas, os cadernos revelam declarações que seriam feitas, viagens sonhadas e até gente que tomaria coragem para correr pelada pela rua sem medo. “Uma pessoa comentou que tomaria um sorvete bem caro, outra disse que doaria sangue e voltaria para a Bahia. Tem também quem iria ouvir o barulho do mar pela última vez”, diz.
E, bastante inesperada, um dos textos indicou para Raísa que o momento no carro foi de acolhimento. “Uma que me tocou muito quando li dizia que eu fui a pessoa que mais a acolheu e que gostaria de me encontrar de novo. Me arrepiei muito quando li”, comenta Raísa.
Além dos cadernos atuais, a psicóloga narra que outras questões já apareceram e garante que, enquanto continuar na plataforma, mais ideias serão implementadas. E, sobre como irá aproveitar os conteúdos, ela diz que pensa sobre escrever um livro relacionado ao cotidiano da motorista.
Respondendo à própria pergunta sobre o que faria com seu único e último dia, Raísa conta que, primeiro de tudo, acordaria às 4 horas e escreveria cartas para todas as pessoas com quem se importa.
“Pegaria a estrada para Bodoquena e ficaria no Rio Salobra por algumas horas; cantaria na Afonso Pena com som e microfone, igual as pessoas fazem na Avenida Paulista.Abraçaria todos que me importo e também abraçaria e sorriria para desconhecidos, sem deixar a vergonha tomar conta. Escreveria sem parar e sem planejar o que deve ser escrito; pediria para conversar com uma pessoa específica, faria um tour por todos os lugares especiais na cidade para mim; pegaria meu celular e ligaria para várias pessoas que já perdi o contato faz séculos só para dar oi e perguntar o que andam fazendo. Pegaria uma passagem no cartão de crédito para São Paulo depois de assistir o pôr do Sol em algum prédio de Campo Grande, chegaria lá com uma pessoa que gosto, iríamos no karaokê para eu cantar minhas músicas preferidas sem medo. E, depois, chegaríamos em casa e faríamos o que desse vontade”, completa Raísa.
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