Em volta da fogueira, povo cigano resgata tradição milenar com rituais
Evento uniu em Campo Grande oração, dança e gastronomia típica dos ciganos
Na Vila Planalto, em Campo Grande, a fogueira cigana foi acesa mais uma vez para resgatar tradições com orações, danças e ritos de seu povo. Com trajes típicos, os descendentes e “ciganos de alma” se reuniram para festejar a cultura milenar em noite de lua cheia.
Sem pressa, de pouco em pouco, as pessoas chegaram à casa na Avenida Noroeste. Foi assim que, em meio ao gramado da residência, um círculo começou a se formar em volta dos pedaços de madeira, que ainda iriam se tornar fogueira.
Prá Roma Kaku, ou cigano de alma, Almir Machado Guimarães, de 47 anos, foi o anfitrião na Avenida Noroeste e recepcionou a reportagem no início da noite. “Esse evento é um resgate da cultura cigana para que ela seja inserida dentro da comunidade como uma tradição”, introduz.
Almir foi acolhido e se tornou irmão cigano há mais de 20 anos. Desde então, passou a aprender sobre a cultura e abrir sua casa para celebrar os rituais de seu povo.
Intencionalmente simples, o evento começou com duas apresentações de dança, sendo a primeira interpretada pela cigana Luna Negra, orientadora espiritual de Almir que coordenou todas as etapas da noite. No local, além dos ciganos, alguns convidados de fora da comunidade também acompanharam os rituais para conhecer parte das tradições.
Com o fim das danças, o momento de acender a fogueira chegou. Por ser o anfitrião, Almir buscou o fogo com que a comida foi feita e, a partir daí, as chamas na madeira surgiram, iniciando o momento de oração.
Dedicada à Santa Sara, padroeira dos ciganos, a oração foi entoada em volta da fogueira e, ao fim, a última parte ritualística começou. Em fila, cada um dos participantes retirou grãos que estavam reservados em vasilhas e, orientados a fazer um pedido à santa e aos ancestrais, ofereceram os alimentos na fogueira.
Com palmas e saudações, os pedidos se encerraram e abriram o momento de alimentação em que um arroz cigano, preparado com especiarias, frango e vinho foram servidos. Com os momentos narrados finalizados, a dança retornou, completando o círculo da noite.
Tradições renovadas
Dançarina, taróloga e escritora, Luna explicou que alguns eventos do povo cigano são abertos ao público, como a Fogueira de Almir, para que as pessoas passem a se desfazer de preconceitos antigos.
“As pessoas continuam nos vendo como personagens ou simplesmente não nos veem. É essa a importância de trazer as pessoas para perto, vai ajudando a quebrar essas ideias de que os ciganos são intocáveis”, diz.
Nesse sentido, detalhes como o traje cigano e a própria dança são apresentados com o devido respeito aos envolvidos. “Muitos acham que traje típico é fantasia, mas de nenhum povo é. Há um modo correto de se vestir, por exemplo, conforme a idade, cargo que ocupa em seu clã e sua descendência.”
Luna ainda destaca que durante os rituais, o próprio povo cigano consegue se renovar em união, retomando os significados ao lado da fogueira. “A ideia é unir pessoas que são descendentes com pessoas que têm a ciganidade na alma e no coração. Todos temos muito o que aprender e o que ensinar em conjunto.”