Jéssica perdeu 15 anos da saúde por causa da prótese de silicone
Dermatologista formada, hoje a profissional sabe o peso e as consequências de uma escolha realizada lá no passado, quando jovem
Quando a médica dermatologista Jéssica Corrêa Rosa, de 33 anos, implorou à família para ter uma prótese de silicone, nunca imaginou que a escolha tornaria a vida um tormento. Após 15 de altos e baixos, e uma saúde cada vez mais fragilizada, ela descobriu o que tanto causava problemas em seu corpo. Os desafios e caminho longo percorrido até essa descoberta ela conta hoje no Voz da Experiência.
"Lembro como se fosse ontem. Tinha 17 anos e estava de férias da faculdade em Santa Catarina – fiz o primeiro ano em Vassouras (RJ) – e implorei ao meu pai que me deixasse colocar próteses de silicone nos seios. Afinal, todas as mulheres da minha família tinham, e eu me achava “desproporcional” e “fora dos padrões”. Depois de eu tanto insistir, ele, um tanto indignado, só falou: 'coloca essa porcaria minha filha, coloca, vai lá'.
Em 15 dias resolvi o 'problema'. Isso ocorreu em julho de 2005.
Meu cirurgião falou que as próteses americanas não estavam sendo importadas para o Brasil então optou por outra marca que ele até havia implantado na própria filha e achava muito segura. Hoje sei que naquela época elas estavam inclusive proibidas de serem comercializadas por falta de estudos de segurança. Quinze dias após o implante das próteses texturizadas de 260 ml voltei à faculdade e a vida normal.
Aproximadamente seis meses depois coisas estranhas começaram a acontecer, mas lógico, não imaginava que tinham qualquer conexão com as próteses.
Acabei mudando para Lages, na serra catarinense, e iniciei um quadro depressivo associado a fadiga, sonolência extrema, edema, cansaço aos médios esforços e intolerância ao frio. Minhas mãos e pés manifestavam o clássico fenômeno de Raynaud – vasoespasmo de partes da mão em resposta ao frio ou estresse emocional, acarretando desconforto reversível ou alterações da cor. Passei os seis anos da faculdade de medicina estudando na cama, com pausas para dormir, de tamanho era o sono.
Nessa mesma época manifestei episódios de sudorese noturna que por vezes achei estar com tuberculose – na faculdade a gente acha que está tendo tudo – e até, em alguns poucos momentos, tive alucinações. Sobrevivi.
Fiz dermatologia no Rio de Janeiro. Foi uma mudança brusca. Uma menina de 24 anos, recém-formada que morava numa cidade serrana pacata se vê em meio a favelas, dificuldade de emprego e sustento. Depressão, fadiga, ganho de peso, sonolência, piora do fenômeno de Raynaud, falta de ar, edema, dores musculares, intolerância alimentar, entre outros sintomas.. Meu namorado, noivo e atual marido na época me apelidou de ursinha, de tanto que eu dormia. Cheguei a usar medicamentos diuréticos e para estimular a tireoide porque me achava extremamente letárgica.
Melhorei. Sobrevivi. Em 2014 Casei. Em 2015 mudei de cidade novamente. Resolvemos morar perto da família do meu marido, em Campo Grande, e novamente descompensei. Os mesmos sintomas, porém meu marido estava ao meu lado e não achava normal o que pra mim já era rotina e decidimos investigar.
O diagnóstico foi FAN positivo e anti centrômero positivo.Para quem não sabe, esses são marcadores de doenças autoimunes, e o anti centrômero, especificamente, de esclerose sistêmica.
Fui a São Paulo e me viraram do avesso. Restante dos exames todos negativos. Fiz uso de imunossupressores por várias vezes por um diagnóstico de esclerose sistêmica e eles me inchavam mais, me desencadeavam mais edema e artrite e esse diagnóstico para mim nunca foi aceito. Meu reumatologista na época chegou a me apresentar um estudo sobre a doença do silicone e eu falei que ele estava doido e eu jamais tiraria minhas próteses.
Devido a uma das medicações utilizadas, a Azatioprina, desencadeei uma lesão no colo do útero e de acordo com minha ginecologista, uma das opções seria a vacinação contra o HPV. Em 2016, após a primeira dose aplicada, em média 10 a 15 verrugas novas surgiam nas minhas mãos a cada três dias. E eu, como dermatologista, passava constantemente por inúmeras cauterizações para conter a infecção viral. Consegui fazer a segunda dose apenas. Não completei a terceira. E as células uterinas atípicas se foram.
Decidi engravidar e logo que tirei o diu, já no primeiro mês, tivemos a felicidade de um exame positivo. Os primeiros meses foram de muito inchaço. Ganhei 4 quilos já no primeiro trimestre e tudo me pareceu muito estranho. Com 20 semanas eu tinha muito edema, muita falta de ar e cansaço, minhas mãos e pés pareciam de uma gestante prestes a parir e comecei a ter um fenômeno de certa forma comum ao final da gestação, que é a síndrome do túnel do carpo. Mas eu estava no segundo trimestre.
Com 24 semanas fui levada de emergência ao centro cirúrgico com a pior dor que já senti na minha vida na minha mão direita.
Meu nervo mediano, o que controla a sensibilidade e a mobilidade da minha mão direita estava isquemiado (comprimido e sem circulação) e eu perderia os movimentos e sensibilidade da mão para sempre se não tivesse operado naquele momento, tamanho era o inchaço e o nervo! Mas, e como aquele nervo cresceu tanto?
Três semanas após o ocorrido, tive que passar por novo procedimento cirúrgico, agora na mão esquerda, para descomprimir o mediano esquerdo.
Se não bastasse, acabei evoluindo com sobrecarga renal e proteinúria, fui internada novamente, e após alta, passei os últimos três meses da minha gestação em repouso para controlar o excesso de líquidos e inchaço e usando anticoagulantes pela incerteza de tudo o que estava acontecendo.
Meu filho nasceu dia 21 de janeiro de 2017 com 37 semanas e 6 dias em uma cesárea agendada pois teve restrição de crescimento intrauterino. Mesmo com os cuidados instituídos durante a gestação, ele ainda manifestou taquipneia transitória e precisou ficar por seis horas em suporte ventilatório não invasivo, conhecido como máscara de wood.
Após uns três meses do parto, eu nunca mais fui a mesma. Comecei a ter contraturas musculares absurdas na cervical e ombros, dores de cabeça praticamente diárias, a fadiga era desesperadora, associada às noites mal dormidas da maternidade recém-chegada. Edema, urticária, intolerância alimentar, sonolência, intolerância ao calor, fenômeno de Raynaud, fotofobia, artrite. Eram esses alguns dos sintomas diários. E até a sudorese noturna reapareceu em alguns momentos.
Em 2017, vivi um ano de muitos médicos e muitos exames. De insatisfações no casamento, de um quadro depressivo e do iniciar de algumas limitações.
Já não conseguia escrever sem usar talas nos punhos, não conseguia praticar atividade física da mesma forma, as contraturas musculares e as dores de cabeça eram insuportáveis. Desenvolvi lesões ósseas na coluna cervical compatíveis com uma vovó de 80 anos e uma no quadril de um atleta de alto rendimento. Vai entender?
Em 2018 fiz reação vacinal a vacina influenza e reativei a cicatriz da BCG, aquela vacina que tomamos ainda bebês na maternidade e que nos protege contra tuberculose. Passei uns 20 dias com o braço direito inchado e passou.
Em 2019, já com muita artrite nas mãos e sem melhora ao uso de anti-inflamatórios de uso contínuo e drogas modificadoras de doença, e diante de todas as articulações periféricas acometidas com tenossinovite além da articulação axial sacroilíaca bilateral com sacroileíte, decidi em conjunto com minha reumatologista, tentar o uso de um imunobiológico anti IL17 pensando em uma nova doença autoimune, a artrite psoriática, apesar de eu não ter doença cutânea (psoríase), como é visto mais frequentemente.
Melhorou. Mas não do jeito que eu esperava. Não como os outros pacientes melhoravam. As incertezas da covid-19 bagunçaram meu psicológico, assim como o de muitas outras pessoas e tive uma piora grande em março de 2020. Para piorar a situação, com medo de contrair H1N1, decidi fazer a vacinação e evolui novamente com reação vacinal e reativação da cicatriz da BCG, dessa vez de duração mais rápida.
Em agosto de 2020 contrai covid-19. Perda de olfato e paladar foram os sintomas da primeira semana, seguidos a partir do oitavo dia de uma dor de cabeça insuportável e uma confusão mental que me fez esquecer números, nomes, trocar palavras, frases. Meus sintomas, que já não eram poucos, agudizaram absurdamente. O fenômeno de Raynaud tornou-se persistente e associado ao livedo vascular. A falta de ar se dava mesmo ao repouso em uma simples conversa. Artrite, edema, as mãos e os punhos extremamente doloridos, dificuldade no trabalho e fadiga extrema.
Procurei um neurologista para me ajudar com as complicações da covid-19 e decidimos repetir a ressonância magnética dos punhos porque, apesar de todo esse quadro, meu filho me pedia incessantemente um irmão todos os dias já há mais ou menos 6 meses, e eu não queria sofrer nenhuma outra intervenção em uma gestação futura.
Para nossa surpresa, e minha infelicidade, meu nervo mediano a direita havia crescido mais um pouco e estava mais do que o dobro do normal.
Um balde de água fria e muito choro. Uma cirurgia de dupla descompressão associada a biópsia de epineuro e sinóvia. Para nossa surpresa, o resultado veio de espessamento colagênico, com zero infiltrado inflamatório. Não tinha nada que favorecesse artrite psoriática. O diagnóstico não fechava!
Foi quando postei uma foto da minha cirurgia no Instagram e uma amiga de infância veio conversar comigo, e me contar de todo o seu processo de doença e explante do silicone.
Eu, como dermatologista, e principalmente porque trabalho muito mais com doenças, tenho sempre o maior cuidado e critérios em indicar procedimentos aos meus pacientes justamente pela síndrome ASIA. E todo curso de preenchedores e bioestimuladores em que participo, questiono sobre a mesma e na maioria das vezes fico sem respostas sobre estudos.
Mas imaginar que pudesse estar acontecendo comigo, e eu não ter me dado conta, foi algo tão frustrante que cai no choro por dias, e por dias fiquei obcecada em ler todo o conteúdo possível acerca da síndrome, da genética, dos sintomas, dos relatos de outras mulheres, de técnicas cirúrgicas...
E enquanto isso acontecia, mais um fenômeno de reação a adjuvantes ocorria no meu corpo, a rejeição aos fios de nylon da minha última cirurgia para uma nova descompressão do nervo mediano e ulnar da mão direita por um espessamento além do normal.
Uma nova abordagem cirúrgica foi realizada, porém sem a possibilidade de remover todos os fios que estariam muito próximos ao nervo e que poderiam levar a um dano irreversível caso houvesse algum processo cicatricial inadequado. Minha salvação? Que talvez o explante pudesse frear essa inflamação e reatividade loucas que estavam acontecendo!
Diante de todo esse contexto, ainda tive o desprazer da incerteza da minha cirurgia de explante ser cancelada pelos altos índices de covid-19 na capital paranaense e o decreto municipal das cirurgias eletivas canceladas. Meu pensamento como paciente é de que quanta injustiça para aqueles que precisam de um serviço médico, que dependem de alguma intervenção para melhora da sua saúde e qualidade de vida e tem estes cancelados, enquanto bares e outros serviços não essenciais continuam abertos em tempos de pandemia.
Por sorte hoje estou aqui, passei o Natal no melhor lugar que eu poderia estar, ao lado do meu marido, e livre desse lixo que roubou 15 anos da minha saúde.
Sim, elas melhoraram minha autoestima aos meus 17 anos. Mas se eu soubesse de tudo o que eu poderia enfrentar, de todo dano irreparável na minha vida e na vida da minha família. jamais teria feito essa escolha.
Que tenhamos sempre escolhas conscientes em busca da nossa beleza e do nosso bem-estar, e que 2021 venha repleto de muita saúde!".
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