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Comportamento

Linda, rica, de família influente e espancada pelo ex-parceiro durante gravidez

Paula Maciulevicius | 07/01/2016 06:23
Tetê Trad contando da segunda agressão física: pelo pescoço, foi empurrada três vezes contra a parede. (Foto: Fernando Antunes)
Tetê Trad contando da segunda agressão física: pelo pescoço, foi empurrada três vezes contra a parede. (Foto: Fernando Antunes)

Páginas da edição de agosto de 2013 estamparam Maria Thereza Trad na Playboy. Mesmo ano em que ela foi ameaçada de morte, espancada e agredida psicologicamente pelo então parceiro. Tetê Trad tem 41 anos hoje, mãe por vocação de cinco filhos, psicóloga de formação, linda, rica e mostra que a violência contra a mulher não escolhe classe social. 

Nos últimos dias, um comentário no Facebook surpreendeu amigos, quando ela assumiu publicamente que foi violentada pelo ex-parceiro, mesmo grávida de oito meses. Foram três episódios de violência extrema: a física, em pelo menos 1 ano e meio de agressões psicológicas e ameaças.

"Quando acontece um episódio de violência doméstica contra a mulher, a maioria se sente envergonhada e culpada. Por que? O agressor faz com que a gente se sinta assim", incia o relato ao Lado B.

Tetê tem dois filhos com o agressor, que foi julgado e condenado a três anos de semiaberto em 2015. Não passou um dia na cadeia. Também não há um dia em que ela não pense no quanto sofreu.

Como uma mulher que tinha tudo, ela nunca imaginou que pudesse acontecer consigo. (Foto: Fernando Antunes)
Como uma mulher que tinha tudo, ela nunca imaginou que pudesse acontecer consigo. (Foto: Fernando Antunes)

Quando os dois se conheceram, em 2010, Tetê estava no auge da beleza, aos 35 anos, e com vários convites para ensaios sensuais. Enquanto eram namorados, ela só recebia flores, presentes e elogios. Era vista e admirada como mulher forte. "A partir do momento que uma mulher se sente fortalecida e tem um parceiro muito machista, ele tenta fazer de tudo para destruir ela. Como? Atacando, com violência", explica. 

"Depois que eu fiquei grávida, começaram as agressões, primeiro psicológicas. Me atacando dizendo que eu era mais velha, mais feia. Eu tinha 35 e ele 30", relata.

Aos 8 meses de gravidez, o então namorado havia pedido a ela um emprego. Ela não arrumou por acreditar que ele não iria trabalhar, apenas queria o salário. "Foi o primeiro ato de violência física. Ele me pegou no carro. Eu estava voltando do Chalé, ele entrou dentro do meu carro. Usava drogas, abusava do álcool... Me levou para casa. Ele me espancou, quebrou tudo, me xingou e foi embora".

Com a violência, Tetê conta que entrou em trabalho de parto. Foi para a maternidade e saiu de lá três dias depois direto para a delegacia, onde nunca havia pisado até então. "Me sentia triste e culpada. Pensava: por que eu não arrumei um emprego para esse homem? Será que a culpa é minha? Eu merecia? A sociedade é machista", descreve o que viveu à época.

Depois da denúncia, foi concedida à ela, com base na Lei Maria da Penha, a medida protetiva. O ex-namorado recebeu a intimação e começou a procurá-la. "A família dele me ligava. Ele é de uma situação econômica favorável. Os pais falavam que queriam conhecer o bebê e para eu dar uma chance a ele. Deixei ele vir, como a gente também tinha isso, de querer família, eu resolvi dar a chance", conta.

Maria Thereza chegou a passar por exames de corpo delito. (Foto: Arquivo/Fernando Antunes)
Maria Thereza chegou a passar por exames de corpo delito. (Foto: Arquivo/Fernando Antunes)

Quando retomaram o relacionamento, Maria Thereza conta que ele só falava de retirar a denúncia. "Ele é advogado, mas não tem OAB, ele redigiu a petição e disse: assina, senão não vamos ficar mais juntos. Eu assinei. Ele protocolou no fórum.

Em casa, eu estava com a criança no colo, meu telefone celular tocou. Era nome de homem. Na hora que ele viu aquilo falou: você vai apanhar de novo, porque você já retirou a queixa.

Vem aqui, me pegou pelo pescoço, me levou na parede, deu três socos com a minha cabeça na parede. Eu, com a criança no colo", descreve.

O bebê tinha 60 dias. Ela mandou que ele saísse de casa e ele se recusou e ficou cinco dias sem nem trocar de roupa com receio de uma nova denúncia, feita por Tetê assim que pode.

Na cabeça dela, como vítima, Tetê procurava explicações. Ciúmes? O emprego que ela negou? Criada numa família tradicional, ela nunca viu o pai encostar um dedo na mãe. Também viveu um casamento anterior por 17 anos sem qualquer triz de violência.

Quando o filho completou 3 anos, ela reatou o relacionamento. "Ele tem lábia boa, é galanteador... Ele disse que estava recuperado, que queria voltar para mim. Eu queria dar uma família para o meu filho. Depois fui estudar, e é sempre a mesma conversa, o mesmo discurso de todos os agressores".

À época os episódios foram abafados, porque "menina da sociedade" apanhando, era feio. (Foto: Fernando Antunes)
À época os episódios foram abafados, porque "menina da sociedade" apanhando, era feio. (Foto: Fernando Antunes)

Em 2013, grávida do segundo filho, foram três meses até a nova agressão. "Voltamos em outubro, em dezembro, voltaram as agressões. Só que dessa vez ele fazia tudo na frente do meu filho". Tetê relata que começavam com briguinhas, passavam para apertos no braço, pescoço, puxões de cabelo.

Depois do último término, ele voltou em casa no dia seguinte e entrou pela porta dos fundos. Tetê estava grávida de oito semanas, com o filho caçula de 3 anos e a adolescente, filha do primeiro casamento, de 16 anos. "Ele entrou no meu quarto, me pegou no colo e falava: agora você vai perder essa criança. Me jogou lá em cima e me jogou no chão. Começou a bater em mim na frente do meu filho. Minha filha entrou na briga, ele bateu nela.

Conseguimos empurrar ele, trancamos a porta e fomos para a janela gritar: socorro, socorro. Ele arrombou a porta. Me jogou no chão e disse que ia me matar. Naquela situação, eu achei que fosse morrer."

A Polícia entrou bem na hora, depois que vizinhos acionaram o socorro. Quando os militares entraram, o agressor mudou totalmente de comportamento, disse que não precisava de nada e que aquilo não passava de uma discussão entre marido e mulher.

"O policial falou: não, olha o estado dessas pessoas, isso não é normal". Confirmada a violência por Tetê, ele foi preso. Na delegacia, ela ainda ouviu do pai dele, que a culpa era dela. "Você acabou com a vida do meu filho..."

Tetê teve sangramentos, quase perdeu o bebê. E junto da filha, tocou adiante o terceiro boletim de ocorrência. "Quando a gente sabe de uma mulher que apanhou, pensa, ah, deve ter merecido..."

A família do rapaz pagou fiança. Ele foi solto e as ameças de morte continuaram. O bebê nasceu e hoje tem 1 ano e cinco meses.

Nas lembranças que Maria Thereza recorre para contar a história, vem todos os pedidos de desculpa, carregados de choro. "Ele chorava copiosamente e justificava a violência colocando eu como sendo culpada. Que eu deixava meu telefone tocar com nome de homem".

"Se demorou para cair a ficha? Muito. Você está vivendo o momento, mas não pensa que vai chegar às vias de fato. Achava que era só ameaça. A gente nega, está apaixonado. Ou pensa que é só na hora da briga. Ele jurava que não ia mais acontecer, mas sempre acontecia".

Ela não era a primeira vítima dele e sabia disso. "Na minha cabeça, aquela época, uma mulher que tinha tudo. Eu não acreditava que ele ia fazer isso comigo. Eu achava que a outra apanhou porque tinha traído ele. Hoje eu vejo que nada justifica a violência".

À época, os episódios foram "abafados" pela família. "Não pode, abafa isso, é feio. Como vamos fazer? Uma menina da sociedade, apanhando do namorado? E eu fragilizada, concordei: é, não vamos fazer nada mesmo. Mas hoje eu falo.

Falo porque tenho certeza que falando vou contribuir para que outras tenham coragem de fazer a denúncia. As pessoas falam que a Justiça não existe, embora ele esteja solto, ele foi condenado e graças a Deus eu estou vendo que a Justiça existe sim".

Maria Thereza Trad quer, como psicóloga e vítima de violência, ajudar outras mulheres que sofreram e sofrem com o abuso de agressões. "É um dia de cada vez. Eu nunca vou deixar de acreditar no amor. A violência está em todos os meios sociais, mas na classe alta pouco aparece. Por que? É muito difícil. É muita exposição. As pessoas enxergam como um fracasso. São cicatrizes profundas, que sempre vão doer e machucar a cada lembrança".

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