Manifesto de jornalistas esportivas inspira professora a levar tema aos alunos
Campanha começou com jornalistas que sofrem com o assédio da torcida masculina e dos jogadores de futebol
Jornalistas esportivas lançaram nesta semana, nas redes sociais, a campanha #DeixaElaTrabalhar. O objetivo do grupo é acabar com o assédio moral, sexual e o machismo tão presente nos estádios, nas ruas e no mercado de trabalho. A campanha repercutiu em todo País e chegou em Campo Grande como inspiração para um tema de redação em salas de aula de uma escola da periferia.
Para quem vive essa realidade, a campanha é importante e descreve muitas situações que levam ao constrangimento e tristeza na hora profissão.
"Eu achei muito interessante, quando vi a campanha fiquei arrepiada porque descreveu muitas situações que a gente vive. Infelizmente, o preconceito está por todos os lados. Mas essa realidade só vai mudar com educação", explica a jornalista Amanda Bogo, de 24 anos, apaixonada pela cobertura esportiva.
Há dois anos na área, Amanda já coleciona episódios "ignorantes" protagonisados por treinadores, torcedores e até colegas jornalistas. "Já vi presidente de federação batendo na minha cabeça enquanto eu estava trabalhando, me inferiorizando, como se eu fosse uma menina que não soubesse o que estava fazendo e o próprio atleta, muitas vezes, não te respeita em campo. Falam como se eu fosse incapaz de acompanhar o ritmo da conversa"
A situação não é restrita aos estádios e campeonatos esportivos, o preconceito é ainda maior dentro das redações, garante ela. "Isso também parte dos colegas. Jornalistas, a maioria homens, ainda não aceitam que uma mulher faça parte da equipe, realize um trabalho bom ou até melhor que eles. Mas isso é um problema da sociedade em geral, não só no esporte, em várias profissões a mulher é desvalorizada e desrespeitada", pontua Amanda.
Apaixonada por esporte desde a infância, a jornalista Eva Regina, de 41 anos, construiu uma relação com estádios ainda pequena, ao lado da família, que sempre a levou para as partidas de futebol. Mas na profissão não imaginava o perrengue que encontraria pela frente. "Infelizmente, há muito preconceito. Eles estão nas palavras e nos olhares, de quem dúvida que lugar de mulher também é no esporte ou onde ela quiser".
Com 15 anos de profissão em campo, Eva diz nunca ter sido desrespeitada a ponto de se sentir constrangida, mas já sentiu na pele a indiferença de colegas que também atuam na mídia esportiva.
"Em alguns casos, as pessoas falavam que eu devia ser modelo ao invés de repórter, e isso é muito triste de ouvir. Porque nós exigimos e merecemos respeito. Quando escuto pessoas falando de outras colegas na mesma situação que eu, me ofendo e faço de tudo para defender. Acho que a campanha é importante e temos que ir até o fim por ela".
Inspiração - Professora de Língua Portuguesa, Karol Brites, de 26 anos, foi quem decidiu levar o tema à sala de aula da Escola Estadual 11 de Outubro, no Jardim Bonança. Ela fez questão de frisar que machismo não é frescura, nem tão pouco deve ser esquecido até que o problema seja resolvido.
"Eu conheci em Maceió (AL), uma das integrantes do grupo responsável pela campanha, Ana Thais Matos, que me falou de forma muito clara e preocupante sobre o preconceito, assédio e machismo que mulher sofre no ambiente jornalístico esportivo", explica.
Há quatro anos Karol vem trabalhando assuntos referentes a mulher em sala, na rede pública e particular de ensino. "Me chamou muito atenção a campanha porque até então, meus alunos desconheciam esse problema, eu também não tinha conhecimento e acabei pedindo o apoio dessa jornalista para inserir o tema da campanha nas nossas atividades".
A ideia foi proposta na última segunda-feira e os alunos terão um período para pesquisa, debate em sala e um texto dissertativo-argumentativo sobre o tema: Qual é o papel da sociedade frente às denúncias promovidas pela campanha "Deixa ela trabalhar"?
"Não podemos fechar os olhos para todos os problemas sociais e educacionais do mundo. E inserir o tema em uma redação é dar a oportunidade de reflexão, incentivar a pesquisa, o debate e o argumento sobre o quanto é necessário mudança. A partir do momento que a gente propõe isso, nós enquanto sociedade estamos contribuindo para essa mudança".