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Comportamento

Morte de Pamela escancara julgamento de público já marginalizado

Mesmo vítima de um crime cruel, algumas pessoas não deixaram de expor seus preconceitos, diz representante

Por Antonio Bispo | 25/01/2025 08:28
Morte de Pamela escancara julgamento de público já marginalizado
Mulher transexual durante trabalho nas ruas de Campo Grande (Foto: Juliano Almeida)

Na psicologia, empatia tem como significado o “processo de identificação em que o indivíduo se coloca no lugar do outro e tenta compreender o comportamento do outro”. Porém, na prática, não é bem assim que acontece. A morte de Pamela Myrella, mulher transexual que teve 90% do corpo queimado durante briga com também outra mulher trans, em Campo Grande, trouxe à tona o “pior lado” do ser humano ao julgar o caso com base em supostas crenças e “educação”, apesar de o assunto principal ser a morte de uma pessoa.

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A ATTMS (Associação de Travestis e Transexuais de Mato Grosso do Sul) tem desempenhado um papel crucial no apoio a mulheres trans em situação de vulnerabilidade, realizando mais de 200 retificações de documentos e oferecendo cestas básicas. No entanto, a organização enfrenta desafios financeiros e opera em um espaço emprestado. O ambiente para a comunidade LGBTQIAPN+ em Campo Grande é alarmante, com a cidade sendo classificada como uma das mais perigosas do Brasil para essa população, refletido em um aumento de homicídios. O caso trágico de Pamela Myrella, uma mulher trans que foi assassinada após um desentendimento em uma boate, ilustra a violência e o preconceito enfrentados por essa comunidade, destacando a necessidade urgente de proteção e respeito pelos direitos humanos.

Desde a manhã de domingo (19), quando as primeiras notícias começaram a surgir na imprensa a respeito do caso que envolveu Pamela, chegaram, também, os preconceitos em forma de comentários, que julgavam a situação e colocavam essa parcela da população como “culpada”, em uma sociedade na qual elas são as maiores vítimas.

O Campo Grande News conversou com Mikaella Lima Lopes, de 42 anos, atual coordenadora da ATTMS (Associação de Travestis e Transexuais de Mato Grosso do Sul). À reportagem, ela fez questão de enfatizar que além de mulher trans, é bacharel em Educação Física, uma vez que a população costuma associar essa parcela da comunidade à prostituição.

Porém, de acordo com Mikaella, essa profissão é, de fato, a única rota encontrada por muitas mulheres trans que, quando expulsas de casa por mero preconceito, encontram nesse ofício a única forma de adquirir renda, mesmo que mínima, para sobreviver.

“O mercado de trabalho não se abre para mulheres trans e aqueles que se abrem não estão preparados para receber essa população. Se chega uma mulher trans que às vezes não tem a retificação, mas tem o direito de ser chamada pelo nome social, ou às vezes por pouca passabilidade da heteronormatividade, acaba sendo chamada pelo pronome errado, sendo chacota”, disse.

Diante desse cenário que já é bastante desconfortável, essas mulheres encontram nas ruas a “zona de conforto” para serem aceitas, ou, pelo menos, respeitadas. Entretanto, mesmo nesses locais, elas correm os riscos que toda pessoa enfrenta ao trabalhar exposta aos perigos que a prostituição oferece.

“Elas correm risco de IST (Infecção Sexualmente Transmissível) nas ruas, risco à noite, também, de assalto, de pessoas com má índole que vão e atacam essas mulheres com ovo, com extintores. São N coisas que infelizmente a nossa população é acometida e a gente [A ATTMS] está aí para poder minimizar essa situação”, afirmou.

Morte de Pamela escancara julgamento de público já marginalizado
Mulher transexual caminhando por rua da cidade (Foto: Juliano Almeida)

Realidade – Em Campo Grande, segundo Mikaella, existem três casas de acolhimento para mulheres trans, onde através de um pagamento mensal, conseguem ter acesso a um local seguro para dormir e comida para se alimentar.

“Elas vivem da prostituição para poder sobreviver. É uma troca que acontece com essas casas. É como se fosse um pensionato, pois elas pagam um valor mensal e têm direito a almoço, têm um local para ficar e não dormirem na rua”, destacou.

Ainda de acordo com a coordenadora da associação, são estimadas cerca de cinco mil pessoas trans vivendo em Campo Grande, entre homens e mulheres. Quanto à atuação da ATTMS, está o auxílio na retificação civil, que apesar de mais facilitado atualmente, é necessário pagamento de R$ 450 para ter acesso ao novo documento.

“A ATTMS realizou mais de 200 retificações até a data de hoje para essas mulheres trans em vulnerabilidade. Tanto mulheres quanto homens trans. E no final do ano a gente conseguiu algumas cestas básicas para essas pessoas, porque a nossa ONG funciona para pessoas que estão em vulnerabilidade”, contou, apesar de relatar as dificuldades que a associação enfrenta, uma vez que necessita de editais públicos para conseguir benefícios.

Atualmente, a organização está situada em uma sala emprestada, mas não deixa de prestar auxílios àquelas que tanto necessitam.

Perigo para LGBT+ - De acordo com pesquisa divulgada pelo Observatório do GGB (Grupo Gay da Bahia), Campo Grande alcançou a 5ª posição entre as capitais brasileiras mais perigosas para o público LGBTQIAPN+.

Se comparado com o Estado, Mato Grosso do Sul registrou sete mortes violentas envolvendo pessoas dessa comunidade, somente em 2024. Já no Brasil, foram registrados 291 pessoas mortas, sendo 96 travestis e mulheres transexuais.

No ranking de estados, São Paulo (53), Bahia (31) e Mato Grosso (24) lideram com os maiores números de casos. Das 8 capitais brasileiras com o mais elevado índice relativo de criminalidade, Campo Grande aparece em quinto lugar com cinco mortes, atrás apenas de Cuiabá, Palmas, Teresina e Salvador.

O crime – Mikaella explica que a morte de Pamela começou em uma briga na boate, que acabou escalonando para o homicídio envolvendo pessoas da mesma comunidade.

“A ATTMS não está em conformidade e isso foi prato cheio para sociedade hipócrita, que fazia comentários na internet dizendo que esse povo tem que morrer. Qualquer notícia que sai, inclusive, a gente está coletando todos [os comentários] e fazendo denúncias no Ministério Público, porque preconceito contra população LGBTQIAPN+ é crime no nosso país. Foi um caso isolado entre mulheres trans e nessa onda de ódio aconteceu o que aconteceu”, afirmou.

Morte de Pamela escancara julgamento de público já marginalizado
Ação da ATTMS nas ruas de Campo Grande com mulher transexual (Foto: Divulgação/ATTMS)

Entenda - O crime aconteceu após desentendimento em uma boate na noite de sábado (18). Outras duas transexuais, conhecidas como Baby e Yara, foram até a casa de Pamela Myrela e jogaram um coquetel molotov na vítima, já na madrugada de domingo (19). Depois, atearam fogo.

O quarto do imóvel foi atingido, mas um vizinho conseguiu controlar as chamas e retirar a vítima da casa. Ainda consciente, à espera de socorro, Pamela contou para a polícia sobre o desentendimento na boate. Também revelou que Baby e Yara tinham uma cafetina, dona de uma pensão, e esta teria ordenado o crime. Pamela ainda relatou que já teve desentendimento anterior com a cafetina. Porém, essa informação não foi confirmada pela associação que acompanha o caso.

Baby e Yara foram localizadas e presas na pensão onde vivem, no Bairro Amambaí. A dona do local foi ouvida pela polícia, confirmou que teve desentendimento com Pamela há cerca de seis anos, mas negou qualquer envolvimento com o crime. A mulher disse que Baby e Yara chegaram à pensão já informando que atearam fogo em Pamela.

Socorro - Pamela foi socorrida com 90% do corpo queimado e encaminhada para a Santa Casa de Campo Grande em estado gravíssimo. Ela não resistiu e a morte foi constatada pela equipe médica às 5h37 de terça-feira (21).

Morte de Pamela escancara julgamento de público já marginalizado
Pamela morreu aos 31 anos após ter 90% do corpo queimado (Foto: Reprodução/Rede Social)

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