Na área mais degradada do Centro, Cácia resiste com história de R$ 2
Tendo chegado quando a Antiga Rodoviária ainda estava no auge, vendedora viu espaço se desfazer
Em 1998, quando a Antiga Rodoviária estava em pleno funcionamento, Rita de Cácia Rodrigues da Silva passava pela Rua Dom Aquino sonhando em ter uma loja próxima ao terminal. Com apenas R$ 2, ela conseguiu abrir um brechó e, durante os 25 anos seguintes, continuou resistindo até ver o espaço se tornar a área mais degradada do Centro.
“Eu fui vendo todo mundo indo embora e cliente ficando com medo de vir aqui, mas nunca pensei em abandonar”, assume, sincera. Sem querer transformar a história em uma trajetória heroica, Cácia explica que as dificuldades acabaram se tornando maiores do que imaginava.
Mesmo assim, de uma forma ou de outra, precisou não olhar para os lados e continuar fazendo seu serviço, como ela narra. “Quem faz o ponto não é a rodoviária, acredito que a gente precisa parar e pensar no que a gente faz. Claro que quando tinha mais movimento aqui era melhor, mas eu sair daqui e procurar outro lugar não significa que vai dar mais certo”.
Retornando ao início da história, a comerciante explica que já trabalhava com venda de roupas, mas em bairros. Interessada em expandir os negócios, o entorno da rodoviária parecia um sonho e, mesmo sabendo que não tinha renda suficiente, decidiu tentar.
Cácia relata que viu o espaço da loja ser liberado e entrou em contato com a proprietária. “Eu já tinha vindo, falei que estava interessada, mas daquele jeito. Até que um dia, a proprietária me ligou, mas eu expliquei que só tinha R$ 2. Você acredita que ela falou para eu usar o dinheiro para pegar o ônibus, vir aqui e depois é que ia pagar?”.
Sem ter nem mesmo material para vender, ela entrou no barco e, para dar início na mercadoria, pegou dinheiro emprestado com um vizinho. “Um rapaz parou o carro aqui na frente e perguntou se eu ou outra pessoa comprava roupa. Dei um jeito, pedi dinheiro emprestado e a partir daquelas roupas ali comecei a trabalhar”.
Conforme o tempo passou, o brechó foi dando certo e até outra sala conseguiu ser alugada por Cácia.
“Era engraçado porque minhas vendedoras tinham que ficar indo de um lado para o outro, ficava difícil. Até que um dia, eu peguei uma marreta, as duas salas já eram minhas, e quebrei a parede entre elas. Você imagina eu tendo que explicar para os clientes que precisavam se abaixar pela passagem”, conta a comerciante.
Ao mesmo tempo em que as vendas melhoravam e as conquistas cresciam, os problemas também começaram a surgir. E, quando os ônibus realmente pararam de circular por ali, a história mudou.
De acordo com a vendedora, a região que já havia altos índices de furtos e roubos piorou. E, com o esvaziamento do público e saída de outros comerciantes, o cenário parecia não melhorar.
Em sua mente, Cácia decidiu que iria continuar trabalhando por ali e, até hoje, não se imagina em outro local. “Os moradores de rua foram aumentando, mas ao mesmo tempo que é complicado, a gente precisa ajudar. Eu falo para os clientes que a gente está aqui e tem clientela fiel. Eu consegui criar meu filho, conquistei minha casa, meu carro, então deu certo”.
E, além do brechó, ela e seu filho abriram uma pizzaria próxima, que já foi matéria do Lado B. Por isso, com esperança e sem olhar muito para os lados, a comerciante conta que é assim que se sobrevive à decadência de uma região.
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