Na ioga dos olhos fechados, cegos meditam "vendo" o que há por dentro
Encontro de associação teve de ioga a prática do golbol para aqueles que sentem tudo, apenas não veem; hoje programação continua
O que os olhos não veem, o corpo sente por inteiro e a mente "conversa" à beça. É assim a experiência de vida de quem não possui 100% da visão, ainda mais na hora da introspecção de uma sessão de ioga. Não é preciso estar de olhos abertos – até porque para alguns isso seria uma tarefa impossível – para conseguir meditar: com um pouco de concentração, basta procurar o que há realmente por dentro e já vai ser possível enxergar tudo.
"Nosso mundo é completamente descritivo. Nessas horas, não precisamos fechar os olhos para podermos nos concentrarmos. Basta simplesmente usar os outros sentidos, aguçar a observacão interior. Acho que essa é uma de nossas vantagens", disse Yeltsin Jacques, de 29 anos.
Ele, que é um praticante do atletismo aqui em MS, já foi bicampeão do parapan americano na prova de 1.500 metros e está em 3º lugar no ranking mundial de maratona. Com as competições paralisadas devido a pandemia do novo coronavírus, a oportunidade que teve ontem (29) de interiorizar mente e corpo na sessão de ioga com meditação bem que veio a calhar.
"Como atleta, tudo que a gente quer na hora da corrida é manter concentração, foco e equilíbrio. Para fazer o mesmo ritmo durante uma prova que dura 2h30, o mental precisa estar mesmo em dia. Isso independente da pandemia", considera.
Com apenas 5% de visão, Yeltsin é considerado B2, isto é, deficiente de baixa-visão. No seu caso, tem percepção de luz, claridade e consegue enxergar vultos próximos. Mesmo caso de Reginaldo Mion, de 35 anos.
"Nunca tinha participado de uma sessão de ioga na vida. Foi realmente muito bom, super legal. Pude relaxar um pouco, principalmente na hora da meditação. Fiquei viajando", brincou.
A ideia veio de promover esse encontro veio da ADVIMS (Associação dos Deficientes Visuais de Mato Grosso do Sul) em parceria com a Sectur (Secretaria Municipal de Cultura e Turismo) e a Prefeitura de Campo Grande, que autorizou as atividades acontecerem no Teatro de Arena do Horto Florestal.
Hilda Jafar, 50 anos, era uma das poucas pessoas presentes que – assim como a equipe do Lado B – possui 100% da visão. Professora de ioga, na modalidade mais tradicional indiana (hatha yoga), ela trabalhou com os alunos presentes desde exercícios de respiração até posições físicas que exigiam boa concentração, além da meditação.
Por meio de um processo extremamente guiado, isto é, descritivo e oral, ela conduziu a atividade. Para ela, quem respira já é capaz de fazer ioga, independente das adversidades.
"É um aspecto de completa interiorização. É ter uma auto observação, isto é, uma auto perceção de si mesmo – que é muito diferente de só olhar. É se voltar pra dentro, sem ajuda de espelho algum", comenta.
"Até porque as pessoas adoram olhar para fora. Não é preciso ficar copiando a professora aqui, apenas se conduzir com a ajuda da minha voz. E quem é cego tem essa capacidade acentuada. É um processo imaginativo: é se encontrar numa montanha, sentir o vento no rosto, perceber a proporção dos quadris em relação aos pés… e assim por diante", complementa.
Golbol – Após a sessão de hata-ioga, outros deficientes visuais também puderam entrar em "campo", desta vez com uma prática esportiva criada só para eles, o golbol. Funciona assim: são 6 atletas em jogo, 3 de cada time. Cada um exerce todas as funções (defesa, "neutro", ataque) na divisão tríade da marcação 18 x 9m. Sentados e vendados, o objetivo é tentar fazer gol do lado oponente sem cruzar a metade da quadra.
Se para quem é cego não é fácil, imagina quem enxerga desde qu nasceu e entra nessa brincadeira. "Já fomos em cursos de Educação Física mostrar aos alunos essa prática esportiva, e sempre acaba que eles participam também. Rimos à beça, porque eles ficam completamente desorientados. É o único momento que somos de igual para igual", esclarece Sônia Velasco, 54 anos, que desde 1990 é paratleta de golbol.
Sua filha Amanda é a profissional da educação física especializada em esporte adaptado. Na ADVIMS, ela é a técnica de golbol que curiosamente possui visão monocular. Até pouco tempo atrás, enxergava 100%, porém perdeu a vista de um olho após uma cirurgia.
Ao lado delas duas, estava Érika Cheres e Emanoel Velasquez, 32 e 36 anos respectivamente. À espera para poder entrar em quadra, ambos conversaram com o Lado B.
"Durante a pandemia sentimos muita falta de jogar, tanto é que a Sônia acabou locando uma quadra para praticarmos", falou Érika. Emanoel acrescentou: "não queremos parar porque é uma coisa que a gente gosta muito. Ainda bem que deu pra gente brincar um pouquinho por agora. Até fiquei com inveja da aula de ioga, dava tempo de ter participado antes de entrar em quadra", brinca.
E a programação continua. Hoje (30), também Teatro de Arena do Horto Florestal, tem sessão de capoeira a partir das 15h30.
Curta o Lado B no Facebook e no Instagram. Tem uma pauta bacana para sugerir? Mande pelas redes sociais, e-mail: ladob@news.com.br ou no Direto das Ruas através do WhatsApp do Campo Grande News (67) 99669-9563.