Nininha planta o próprio café e lava a casa com água da chuva desde 1970
Quando o assunto é sustentabilidade, dona Arminda Pereira Gavilan, que recém completou 86 anos, é especialista. A senhorinha moradora do Bairro Coronel Antonino reutiliza a água da chuva para limpeza da casa e irrigação das plantas, desde 1970. Além disso, se orgulha em tomar o café plantado no próprio quintal.
O Lado B foi conferir essa história e antes da conversa começar, Nininha, como é conhecida, pediu licença para preparar um cafezinho. Vivendo com mais dois irmãos, o imóvel tem a cara de casinha de vó e, apesar de falar sobre todos os assuntos, Arminda foge de fotos.
A economia vivida por dona Nininha, vem de longa data. A educação sustentável começou ainda na infância, quando ela e dois irmãos passavam temporadas com o tio que era sargento da Polícia Militar e ex-combatente de guerra. Foi ele quem ensinou sobre a importância do precioso líquido, a água.
“Eu nasci em Campo Grande, mas a gente, praticamente, cresceu no interior. Meu tio sempre estava destacado na polícia e minha madrinha não tinha filhos, então, nós íamos com eles. Moramos em Nioaque, um tempo à beira do Rio Aquidauana e quando moramos em Cipolândia tinha um rio onde lavávamos roupas, então sempre teve muita abundância de água, mas meu tio sempre ensinou a importância. Ele dizia que a água era nossa madrinha”, conta Nininha.
Aos 20 anos, Nininha se mudou de Cipolância para o Centro de Campo Grande, onde trabalhou e conheceu seu esposo, o paraguaio Juan Maciel Gavilan, falecido há 15 anos. O casal morou na Rua 13 de Junho abaixo da Rua Maracaju e em frente a uma chácara onde hoje é o Hipermercado Extra.
“Nós morávamos bem à beira do córrego. Nossa casa também ficava em frente à Sapataria Zás-Trás, onde meu esposo trabalhava. Nessa época eu já tinha cinco filhos e em nossa casa tinha água encanada”, lembra.
Os ensinamentos sobre economia da água foram colocados em prática, quando Nininha saiu do Centro e se mudou com a família para a Vila Planalto, bem próximo aos trilhos do trem, onde hoje se encontra a Orla Morena. A casa tinha toda a instalação e encanamento, mas a água não tinha força para subir e encher a caixa d’água.
“Tinha um japonês nosso vizinho que tinha um grande poço e me deixava pegar água. Eu deixava as crianças, todas pequenas, com uma madrinha que morava comigo e saía para buscar água nas costas para cozinhar, lavar roupa, limpar casa e dar banho em cinco crianças”, lembra.
Nininha admite que nessas horas tinha muita saudade de Cipolândia, onde havia fartura e muitas festas. “E tinha saudade também, porque meu tio depois que se aposentou decidiu ficar por lá, na beira no Morro do Chapéu.
Depois de meses na Vila Planalto, Nininha e a família se mudaram para o Bairro Coronel Antonino. “Nós tínhamos o terreno aqui e como o aluguel estava muito caro na época, uma cunhada que veio da fazenda fez um rancho no fundo do terreno e nós fizemos duas peças de madeira na parte da frente. Aqui também não tinha água e muitas vezes Maria Baiana que era uma das moradoras cedia um pouco de água do poço’, lembra.
Nininha lembra que antes do marido conseguir furar e finalizar um poço no quintal, lavou muita roupa no Córrego Segredo. “Nosso poço deu 22 metros. Mas antes disso sofri carregando água. Antes do poço colocava meu filhos no carro de mão. Levava lanche, lavava as roupas no córrego e deixava secar. No fim da tarde a gente voltava com todos tomados banho e as roupas limpas”, se recorda.
Poucos anos depois, Nininha que não sabe dizer exatamente, veio a água encanada e o poço precisou ser encerrado sob pena de multa. Mas a economia nunca acabou.
Com sete filhos, 16 netos e 15 bisnetos, Arminda sempre ensinou sobre a economia. E há quase 50 anos não deixa de captar água da chuva. Não há nenhuma cisterna especial. A água é reservada em tambores e bacias. Não há risco de dengue, pois toda a água é usada constantemente e inspecionada pelos agentes de saúde.
“Eu explico até o mais simples, que é ensaboar todo o corpo e só depois ligar a água para se enxaguar. A água que reservo só não faço comida, mas uso para limpar casa, lavar roupas, dar descarga, aguar as plantas e lavar o quintal”, conta. Um dos bisnetos que já sabe tudo é Igor de 9 anos. “Desde pequeno eu já aprendi”, completa o garoto.
O café surgiu na mesma época em que Nininha passou a reservar água. Para complementar a renda da família, Arminda começou a trabalhar em plantações que existiam nos Bairros Monte Carlo e São Benedito.
“Depois que meu marido conseguiu estabilizar o poço e concretar em volta eu comecei a trabalhar fora. Eu levava meus filhos e colocava eles sentados. Levava o lanche passava o dia plantando muda e voltava no fim da tarde. Nos recebíamos no sábado. Era cansativo, mas a alegria vinha no fim de semana. Então, a muda que eu plantei aqui eu trouxe de lá”, conta.
Depois de aposentar o pilão, os grãos são limpos, torrados e moídos com auxílio de moedor e torradeira. O sabor é diferente do convencional, mas o modo de preparo é o mesmo.
No quintal que tem de tudo, pé de acerola, romã e manga, até as folhas do coqueiro são reutilizadas. Como uma boa adepta da sustentabilidade, a árvore de Natal de Nininha tem um toque especial. Com ajuda da família, os galhos do coqueiro foram pintados e receberam todos os enfeites possíveis, inclusive, a companhia de corujas, outra paixão de Nininha.