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Comportamento

No júri da morte do filho, mãe sentiu cheiro de rosa e alegria em ver pai solto

"Perdoar o Joel? Olha, eu não vou dizer perdoar, porque não tem o que perdoar, de coração, porque eu sei que ele não fez nada"

Paula Maciulevicius Brasil e Viviane Oliveira | 13/03/2020 14:00
Viviane com os filhos, Rodrigo e Duda. (Foto: Arquivo Pessoal)
Viviane com os filhos, Rodrigo e Duda. (Foto: Arquivo Pessoal)

As 17 horas de julgamento que o relógio marcou pareceram dias de um pesadelo do qual Viviane Romeiro de Moura, de 25 anos, só acordou ao sentir o cheiro das rosas e depois de ouvir a decisão sobre a soltura do ex-marido, Joel. Viviane é mãe do bebê Rodrigo Moura Santos, de 1 ano e meio, morto pela madrasta em agosto de 2018, na cidade de Dourados. 

Três dias depois do júri que condenou Jéssica Leite Ribeiro, de 24 anos, a 17 anos e cinco meses de prisão pela morte do enteado, e colocou em liberdade Joel Rodrigo Ávalo dos Santos, de 28 anos, pai da criança, o Lado B conversou por telefone com a mãe. 

Viviane está de volta a Dourados e esteve durante todo o júri acompanhando o trabalho da promotoria movida pelo que ela diz ser a "força da justiça". "Mesmo porque se eu não estivesse lá até o final para saber que foi feita a justiça, eu não iria conseguir ficar em paz", diz.

A mãe, Viviane e o filho morto pela madrasta. (Foto: Arquivo Pessoal)
A mãe, Viviane e o filho morto pela madrasta. (Foto: Arquivo Pessoal)

A conversa por telefone, de um assunto tão triste, ganha leveza pela voz ao fundo, da menininha de 4 anos, irmã de Rodrigo, que volta e meia pede bolacha à mãe. De volta ao relato do que viu e viveu, Viviane conta que o que mais lhe doeu foi ver as fotos do pequeno machucado, que até então, ela tinha evitado.

"Nos retiramos do local, mas eu voltei e vi a foto dele muito machucado. Ainda estava acontecendo", explica. 

Durante as 17 horas de julgamento, a mãe ocupou diversos lugares pela sala. A medida em que se aproximava do fim, ela sentou lá na frente. "Porque eu queria saber cada detalhe, entender cada detalhe do que estava acontecendo", justifica.

Nada vai trazer Rodrigo de volta. Não há condenação, ainda que a legislação brasileira permitisse, que fizesse os olhos de Viviane encontrar o filho sorrindo. Sobre a sentença da madrasta, que a condenou por homicídio doloso por meio cruel, com o agravante de ter sido cometido contra a uma vítima menor de 14 anos de idade, ela é firme em dizer: "Foi pouca. Dezessete anos e cinco meses é muito pouco por tudo o que ela fez. E no noticiário eu vi que depois de cinco anos, se não me engano, ela já pode ir para o semiaberto". As palavras saem num tom tão desolado que é possível sentir que as lágrimas ali foram seguradas.

A madras Jéssica com o pai do bebê, Joel em foto antiga de rede social.
A madras Jéssica com o pai do bebê, Joel em foto antiga de rede social.

Quanto à decisão que soltou Joel, o pai da criança, Viviane ficou feliz "por saber a todo momento que ele não tinha culpa". O lutador de MMA chegou a ser condenado a 1 ano e 15 dias de prisão por homicídio culposo, quando não há intenção de matar, omissão e negligência, pois deixava a criança aos cuidados da mulher, mesmo sabendo das agressões. Como Joel estava preso há 1 ano e 6 meses, o entendimento dos jurados foi de que a pena já havia sido comprida. 

Viviane e Joel foram casados durante quatro anos, e tiveram, além de Rodrigo, a menininha Eduarda, de 4 anos. "E ela estava com muita saudade dele. Ela mudou muito, perdeu o irmão, o pai estava longe, tudo isso mexeu muito com o psicológico dela", acrescenta a mãe.

À época do crime, Duda tinha 3 anos e presenciou toda a cena. "Ela falou tudo o que aconteceu, o momento da marca na boca do Rodrigo, na linguinha dele, ela conta que foi quanto a Jéssica apertou a boquinha dele", reproduz a mãe. E foi no júri que Viviane percebeu que o relato da filha foi exatamente tudo o que aconteceu. "Tudo o que ela falou, bateu". 

Na data do julgamento, Viviane não disse à menina o que seria, só falou que iria resolver coisas com o pai. "Quando eu voltei ela disse que já queria ver o Joel. Acordou cedo no outro dia perguntando dele". A saudade era tamanha que a menina sentiu, acredita a mãe, que o pai seria solto. Os dois se encontraram na manhã seguinte ao julgamento e passaram o dia juntos. 

O trauma de ter visto o irmão ser pisoteado pela madrasta traz muita preocupação para a família. Eduarda passou a gaguejar desde que tudo aconteceu e, agora depois de julgado o caso, a mãe vai aceitar o tratamento psicológico que já foi oferecido pela Justiça. 

Sobre perdoar o ex-marido, Viviane diz que não tem o que perdoar. "Não tem, de coração, eu sei que ele não fez nada", diz. Questionada se este sentimento seria apenas por conta da filha que ficou, a mãe é incisiva. "Por tudo, pela verdade, pela minha filha, pela pessoa que ele é, pelo nosso filho. Ele merecia ser solto. No júri foi reconhecida esta certa injustiça, porque deixaram ele preso 1 ano e pouco. Acho que serve de lição, porque a gente tem que estar sempre atento, a gente acha que conhece as pessoas..."

O dia 10 de março de 2020 ficou marcado na vida da mãe, como um pesadelo de quem nunca se imaginou estar num júri pela morte do filho. Na noite anterior, Viviane sonhou com o bebê. "Ele estava lá, perto da gente e dava muita risada e, estava muito feliz".

No dia seguinte, a mãe relata que "desmontou" quando o promotor leu o que ela chama de poema. "Falava que no momento ele estava lá para ver a justiça ser feita. Aquilo me desmontou, e eu senti a presença dele. Saí lá fora para fazer uma oração e tinha um cheiro de rosa muito forte. Todo mundo sentiu, não foi só coisa de mãe, não. Certeza que ele gostou do resultado, do pai ter saído". 

Viviane espera agora voltar a viver e isso inclui trabalhar. "Minha vida parou até eu sair do júri. Eu não estava conseguindo fazer mais nada, não conseguia nem trabalhar com medo. Agora acho que tudo vai se organizar", espera.

O caso - O pequeno Rodrigo, que na época do crime tinha 1 ano e meio, estava sob os cuidados da madrasta quando morreu, na manhã de 16 de agosto de 2018. Ele foi atendido pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) com hematomas na cabeça, trauma no tórax e laceração no fígado. Uma semana após a morte, Jéssica confessou que a criança chorava muito naquele dia e por isso apertou “com força” a barriga dele, primeiro com as mãos e depois com os joelhos, por acreditar que ele estava com “prisão de ventre”.

Ela também confessou ter pisado “sem querer” nas costelas do menino quando se levantou da cama e disse ter apertado o pescoço de Rodrigo na tentativa de reanimá-lo.

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