Nunca pariu, nem pretende? Ainda assim você vai exercer a maternidade
Prestes a entrar no mês das mães, a jornalista Jéssica Benitez fala sobre a "maternidade compulsória"
Estamos prestes a entrar no mês das mães e venho por meio desta te dizer: se tu é mulher, independente de ter um dia parido ou não, a maternidade compulsoriamente te pertence. Calma, calma. Não vou começar aqui um discurso religioso ou coisa do tipo, mas, mermã, querendo ou não, somos mães. Não tem escapatória (ainda).
Veja bem, mesmo que você não tenha filhos, marido, companheiro, pai, irmão, hora ou outra, em algum momento da sua vida você assumiu ou assumirá este papel porque simplesmente fomos ensinadas e somos obrigadas a cuidar de pessoas, coisas e vidas, mesmo contra a nossa vontade.
Quem é que assume – na maioria dos casos – os cuidados com o pai ou mãe adoecidos? Aliás, pode ser aquele irmão, tio, parente, marido e até ex-marido, ex-sogra e por aí vai. É sempre uma mulher a assumir a bronca. Vai acampar com os amigos ou familiares? Quem é que fica com a parte do cuidar (leia-se pensar na logística geral de acomodação, arrumar, limpar, estruturar, fazer lista de compras)? Sempre as mulheres.
Almoço de domingo, em muitos casos incluindo o de Dia das Mães, quem é que vai pra cozinha? Acho que já sabemos a resposta, não é? Pois bem! Percebeu que mesmo sem filhos uma mulher vai, em grande parte da vida, assumir funções que demandem cuidado dito maternal?
E não pelo simples fato de ter prazer nisso e sim porque as situações nos empurram a ser mãe de todos. Começa muito cedo quando em casa a gente tem que lavar a louça enquanto o irmão joga bola, enquanto nas brincadeiras fazemos a comidinha e ninar a boneca e o garoto é o astronauta, jogador de futebol, médico... A sociedade não molda o indivíduo para ser um ser humano funcional que sabe se virar se precisar independente do sexo.
Mulheres foram feitas para cuidar e homens para serem cuidados, “é instinto”, dizem. Quando vêm as relações, por mais desconstruída que seja, sempre cabe à mulher o cuidado como se fosse espécie de substituição da mãe do marmanjo e o bonitão trabalha, tadinho, não pode gastar energia cuidando seja lá do que for.
O mesmo ocorre no mercado de trabalho, no qual vemos homens nas chefias mesmo quando o ambiente de trabalho é ocupado majoritariamente por mulheres que fazem a roda girar, mas não prestam para comandar. O mesmo cenário ocorre no círculo social.
O lance é tão pacificado que certa vez fomos, meu marido e eu, olhar apartamentos para comprar e o corretor falou muito naturalmente apontando para a churrasqueira “aqui é onde você vai assar carne com seus amigos, enquanto ela (apontando para mim) está na cozinha organizando tudo”. E finalizou: “elas gostam de mandar, né?”. É mole, gente?
Ah esse joguinho do “ela é quem manda” também é uma armadilha, viu? O tal do mandar nada mais é que delegar as tarefas triviais que são ignoradas com sucesso e só são realizadas quando nós, mulheres, estamos de saco cheio a ponto de “mandar” e ainda ouvimos o famoso “era só ter me pedido”.
O pedir, neste caso, também é ato de cuidado imposto a nós. Dar conta da logística toda para que só executam. Portanto, sim, direta ou indiretamente a maternidade lhe recai, minha amiga, sem opção de escolha.
Jéssica Benitez é jornalista, mãe do Caetano e da Maria Cecília e aspirante a escritora no @eeunemqueriasermae
Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial, Facebook e Twitter. Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui).