O Índio, a Praça do Peixe e um dia de fúria que mudou o destino do lugar

Pulei da cama e fui caminhar na Praça do Peixe, lugar que guarda histórias da minha vida, antes mesmo da praça existir. E essa precisa ser contada.
Airton Metello, o Indio e eu já tínhamos dois filhos quando conseguimos casa própria. Saímos do asfalto para o meio do mato no Villas Boas e ele dizia: "Já vi o mapa e aqui vai ser uma praça". Depois de alguns anos correu o boato que seu Lúdio, o prefeito, preocupado com as favelas, resolvera destinar a área de nossa futura praça para um comodato.
O babado era forte! Perder a praça? Nunca! Indio foi à Secretaria de Obras, no Paço Municipal. Pediram um abaixo-assinado. Caprichei no ofício, Indio colheu assinaturas e voltou ao Paço e tomou um belo chá de cadeira dois dias seguidos.
No terceiro, chegou cedinho em tempo de ver o secretário entrando. Esperou, esperou, espanou bonito e não teve dúvidas: meteu o pé na porta do secretário. O alarido foi geral, chamaram segurança e, no meio da confusão o secretário resolveu receber o munícipe nervoso e falou que não haveria mais comodato.
Um mês depois ... a praça foi tomada por lonas pretas. As famílias tinham chegado durante a noite e, de manhã, o café já estava cheirando. Indio voltou ao Paço e... nova promessa. Numa bela manhã ele foi surpreendido pelos novos moradores que cercavam a praça com tocos de árvores dali mesmo.
Pensei comigo: "Meter o pé nos tocos ele não vai... o que será..." e meu pensamento ficou no ar... Indio deu partida no nosso carrinho de segunda mão e derrubou a cerca inteira. Cada ré era um flash e levantava aquele poeirão vermelho.
O povo do comodato, achando que ele ia entrar com o carro no meio dos barracos, catou os filhos e sumiu no mundo. Mais tarde foram voltando devagar, cheios de olhos, para levar o restante da mudança.
Nunca mais ninguém pôs os pés ali. Passou-se o tempo até que no final do segundo mandato, o prefeito Juvêncio construiu a Praça Demosthenes Martins, conhecida como a Praça do Peixe. Se não fosse o Indio...
*Lenilde Ramos e escritora, sanfoneira e adora contar histórias