Pai luta por cirurgia para enxergar o filho após 40 anos
Foi pela internet, do outro lado do Brasil, em Belo Horizonte, a mais de 1,2 mil quilômetros de distância, que o policial militar da reserva Leonei Souza Laia, de 54 anos, recebeu, pela primeira vez, informações concretas sobre o paradeiro do pai, José Laia Sobrinho, que ele não via há quase 5 décadas.
O senhor, que hoje está com 81 anos, foi encontrado. Mora em Campo Grande, no Caiobá II, mas não quer rever o único herdeiro enquanto não passar por uma cirurgia oftalmológica para voltar a enxergar. José vê apenas vultos, tem 5% da visão, por conta do que ele imagina ser uma catarata.
O problema é que ele não consegue atendimento na rede pública e, por isso, está protelando a viagem para rever o menino que não viu crescer e, de lambuja, conhecer toda a família.
“Eles vão me conhecer e eu não vou conhecer eles?”, questiona, emocionado, durante um bate papo em que fez questão de voltar no tempo, à época da primeira paixão, que acabou com o nascimento do filho.
A busca por Zé Laia demorou mais de 40 anos. Leonei tinha procurado em tudo quanto é canto, do Fórum ao sistema interno de busca da Polícia, mas nada de encontrar o caminho. A última tentativa foi em uma agência do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
A atendente confirmou o nome, disse que se tratava de um beneficiário com cadastrado ativo, que recebia a aposentadoria em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, mas se negou a fornecer o endereço, alegando sigilo profissional.
A busca voltou, novamente, ao ponto inicial, mas a esperança continuou, até que uma mensagem no Facebook terminou com a agonia.
O primeiro contato – Há 2 meses, do outro lado da rede, em um dos bairros mais afastados de Campo Grande, Zé Laia, como é conhecido, recebia as primeiras informações do filho, da nora, dos netos e bisnetos, por intermédio de um vizinho, que se dispôs a ajudá-lo.
Foi com cuidado e com certa insistência que o comerciante Agrimar Félix da Silva, de 34 anos, conseguiu descobrir parte do passado do senhor de 81 anos, morador do bairro, cliente do mercado onde é proprietário.
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Zé, conta, sempre foi muito fechado com relação à própria história, até que um dia, mais emotivo, resolveu tocar no assunto e abriu o coração. Falou da vida, do tempo que morou na fazenda, da época que conheceu a primeira esposa, do nascimento do primeiro e único filho, da separação e das reviravoltas do destino que fez ele parar na capital sul-mato-grossense.
“Acho que ele se deu conta que precisava da família”, diz. Com os dados em mãos, a pedido do cliente - que a essa altura já era amigo - Agrimar começou as buscas. Para surpresa do navegante, a trilha de volta ao passado do vizinho foi mais fácil do que imaginava.
A árvore genealógica de Zé Laia estava toda na internet, no Facebook, ao alcance de qualquer um, a um clique de distância. “Fiz uma busca rápida no Face e achei na hora”, disse o comerciante, que está feliz da vida por ter intermediado o contato.
Bastou uma mensagem para que os laços voltassem a se unir, para que o reencontro acontecesse e as primeiras palavras fossem trocadas ao telefone. Pelas contas do pai, depois de 47 anos. Pelos cálculos do filho, após 42.
História - A exatidão do tempo perde a importância diante da felicidade repentina que passou a estampar o rosto do senhor de aparência sofrida, que nasceu no interior de Minas Gerais, mas havia perdido o contato com a família e com o único filho após o fim do primeiro casamento.
A história tem data, é bem delimitada, marcada no tempo e viva na memória do morador que já viveu em mais de 5 cidades brasileiras. A equipe do Lado B foi ouvir de perto esse relato.
Sentado em um pequeno banco de madeira, de costas para a cama de casal que dormia minutos antes da entrevista, José aceita contar sua história. Estava disposto a explicar como chegou a Campo Grande, porque deixou o filho para trás e em que momento perdeu o contato com toda a parentada e com os 8 irmãos.
Casamento - Sem citar os períodos de infância e adolescência, não muito relevantes para o fato principal, ele revela que se casou aos 27 anos, no dia 20 de julho de 1957. A esposa tinha 20 anos e se chamava Luzia. Era vizinha de fazenda.
Quando se conheceram ela estava noiva. Ele também, de uma cigana. Mas a paixão foi maior e os dois resolveram terminar os compromissos para ficarem juntos. Zé Laia foi quem levou, à cavalo, a aliança e o bilhete da amada dando o “toco” no rapaz com quem havia trocado juras de amor.
“Ela era noiva de aliança no dedo. Escreveu um bilhete desmanchando o casamento. Foi a maior traição”, relembra. Os pombinhos, livres, desimpedidos, trataram então de agilizar a papelada do matrimônio no dia seguinte aos rompimentos. A união aconteceu com 20 dias.
Com Luzia, José viveu por dois anos e teve o primeiro filho, Leonei Souza Laia, que ele deixou aos 2 anos e meio, quando descobriu, segundo relatou, que a esposa estava se relacionando com um primo.
Fim do romance - Na época, vivendo em Belo Horizonte, Zé Laia resolveu sair para o mundo. Deixou tudo para trás, porque não suportou a situação. “A falsidade foi demais”, relatou. Uma briga com parentes dela foi a gota d’água.
Sozinho, ele foi morar em Brasília. Arrumou emprego na construção civil como carpinteiro, profissão que já exercia. Do Distrito Federal se comunicava com a esposa, perguntava pelo filho, enviava dinheiro e alimentos, contou.
Última visita - Foi assim por pelo menos 6 meses, até que descobriu que Luzia estava grávida do primo. A ideia de sustentar um filho que não era dele e que ainda por cima era fruto do que considerou ser uma traição pesou muito, disse, e colaborou com a decisão de abandonar de vez a família. Foi o que fez.
Mudou-se para Santos (SP). Depois, ainda em São Paulo, foi viver em Ribeirão Preto. De lá, resolveu morar novamente em Belo Horizonte, em uma cidade próxima à Capital onde a esposa estava com o filho.
Foi nesta época que visitou Leonei pela última vez. Acredita que foi aos 12 anos. O filho, hoje com 54 anos, garante que foi aos 7. Desde aquela época, Zé nunca mais teve notícias de Leonei, da ex-mulher, nem dos irmãos. Mãe e pai já morreram, revelou.
Anos mais tarde, o carpinteiro retornou à capital paulista. Morou em Ibitiga e Urubupungá. Depois, resolveu tocar a vida em Mato Grosso do Sul, na cidade de Três Lagoas, a 3º maior do Estado, onde diz ter encontrado a sorte. “Ganhei 60 milhões de cruzados na loteria”, disse. “Mas recebi só 60 mil porque mudou o plano”, completou.
Sem viver os luxos de rico, Zé retornou à Ribeiro Preto, onde conheceu a atual esposa, Elizia Sartori, que era moradora de rua e, à época, estava doente, segundo relatou.
A vida deu voltas, mostrou surpresas e o casal veio parar em Campo Grande, há 12 anos. Atualmente, o aposentado e a esposa vivem no Caiobá II, em uma única peça. A pintura de fachada, de um cor de rosa desbotado, indica que ali funcionava uma mercearia.
Cirurgia - São quase cinco décadas sem ver o único filho, mas os anos não apagaram o amor que sempre sentiu, revelou.“Meu Leonei eu cuidei até a base dos dois anos e meio. Foi cuidado com banana maça mineira. Estava grandão”, relembrou, com a voz entrecortada, em meio às lágrimas que caem sempre que lembra do único herdeiro.
Falar do filho deixa o pai emocionado. Seo Zé não vê a hora de poder abraçar Leonei de volta, mas agora não quer perder a oportunidade de ver o rosto do "menino" que não criou. Conhecer os netos e a nora é outro desejo que passou a alimentar.
É por isso que está adiando a viagem. Precisa ser avaliado por um oftalmologista, mas não consegue vaga pelo SUS (Sistema Único de Sáude). O dinheiro que recebe - da aposentadoria dele e da esposa, é insuficiente para bancar um tratamento particular.
De Belo Horizonte, Leonei Souza já avisou que vai fazer de tudo para que o pai faça a cirurgia - se for mesmo necessário, apesar do custo alto.
Você também pode colaborar com José Laia Sobrinho. O telefone de contato para doações é o (67) 9917-9184 (Félix).