Pai nunca entendeu porque Leandro quis morrer e por pouco não enterrou 2 filhos
Leandro se foi dentro de casa, José nunca entendeu e cinco meses depois, viu outro filho quase partir, da mesma forma
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No mesmo quintal onde tudo aconteceu, seu José volta no tempo. No bairro Jardim Aeroporto, seis anos atrás, as últimas cenas de Leandro em casa foram ouvindo música, a ligação das 7h da noite e depois só o desespero de ver o que parecia uma montagem. Na manhã do dia 28 de março, Leandro estava morto na varanda onde funciona a serralheria da família. Por pouco, a imagem não se repetiu com outro personagem. Cinco meses depois, o irmão também tentou partir.
Não é pela culpa que seu José decide falar. Porque isso ele jura que não guardou para si. É por acreditar que pode, de alguma forma, alertar famílias e pais para não passarem pela mesma dor dele.
"Se eu mudei com isso? Completamente. Os pais sempre mudam, muitos se fecham e eu continuo sempre alerta, pedindo a Deus pelos meus filhos e pelos dos outros. Você começa a se preocupar com seu próximo", justifica o serralheiro José Carlos Miranda, de 54 anos.
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Seu José é de Aquidauana, mas já rodou o país. Morou até em Rondônia e há 22 anos escolheu trocar o mato pela cidade. A vida nunca foi fácil, pautada no trabalho pesado, quando ele percebeu que a lida na fazenda viria, com a velhice, com o que ele chama de "humilhação", decidiu que precisava abrir horizontes e mostrar que sabia e podia fazer mais.
Pai de seis, enterrou Leandro aos 23 anos, o segundo filho, contra a lei natural da vida e a própria vontade. Entre as grandes perdas, nenhuma se equipara a de ver o caixão baixar no cemitério mesmo depois de ter se despedido de pai, mãe e irmãos. "A perda mais doída é a de um filho. Você falar que perdeu um filho? É o filho que enterra o pai, ele que vai ser seu representante na terra, vai dar continuidade na família. Não foi nem 1% da dor do filho, a de enterrar minha mãe. É uma ferida que não cura e não desejo para ninguém essa dor", descreve.
O sentimento que ele supunha, não é nem de perto na intensidade que ele imaginava. Antes de ser condenado a partida prematura do filho, nunca se imaginou numa situação assim.
"Só passei a saber agora, às vezes você até faz um julgamento indevido, porque não tem conhecimento de causa. É fácil apontar o dedo para a pessoa que está sentada na cadeira do réu, mas o difícil é você assumir o lugar dele ali e escutar o que o juiz tem a falar sobre a sua condenação", compara.
Por vezes, seu José tenta buscar algo que - se tivesse dentro do contexto - poderia amenizar a saudade. "Por que se fosse, sei lá, um bandido, você sabe que está no caminho errado e a qualquer momento pode tomar um tiro ou ir preso, mas agora um guri que nunca se envolveu com crime, nunca soube nem o que é uma cadeia, que sempre foi amigo, companheiro..." Não, não há consolo ao pai para o suicídio de Leandro.
"A gente tinha uma amizade, ele chegava e eu dizia: 'oi corninho' como foi seu dia hoje? E ele dizia: foi bem pai, beleza, tô de boa, tranquilo... E aí você vê aquela situação? É inexplicável", comenta.
O pai nunca desconfiou que Leandro tivesse tamanho sofrimento dentro de si para acabar assim. Dos filhos, não que algum fosse fazer, mas ele era o único que José nunca imaginou. "Um guri alegre, tinha liberdade... Eu dizia que o pai era o único amigo que você tem, quem vai poder estar com você no pior momento da sua vida, vai ter ombro pra te abraçar e de repente, até no dia em que houve o feito, ele estava em casa...", conta.
Foi um vizinho, que é cliente da serralheria, que bateu palmas na manhã daquele domingo. A madrasta de Leandro, quem carinhosamente ele chamava de "tia", fazia o café e ainda não tinha aberto a porta de casa.
"O conhecido bateu palma e perguntou: o que é aquele rapazinho ali? Eu só escutei os gritos e ele estava naquela situação, é difícil sabe... Uma pessoa que não tinha motivo, até onde a gente sabia, pelo menos, não... Você fica achando que não tem resposta, não tem chão, por mais que procure", reflete.
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À época, foram seis suicídios com uma diferença média de 15 dias entre cada um na mesma rua e o que seu José se resume em falar: uma epidemia. A resposta, ele diz que desistiu de procurar.
"Porque cada vez você vai se machucando mais. Às vezes o pessoal fala coisas que não te agrada, que você sabe que não tem nexo aí eu fui desistindo de ir atrás e naquele momento, eu tive que ter uma sustentação..."
O desespero da família era tanto, que seu José se manteve firme e só foi desabar depois de passar pela delegacia, no IML. "Deus foi tão bom que bloqueou a minha mente naquele momento... E de lá para cá foram seis anos, mas a gente não esquece, não consegue esquecer, ele estava ali no meio..."
Leandro não deixou nada escrito. Cinco meses depois, o irmão tentou fazer o mesmo, mas este, seu José diz que conseguiu salvar. Por serem muito ligados, o mais novo avisou um dia os amigos, que em breve todos saberiam a notícia e que eram para ajudar a "catar o corpo".
"Eles ligaram correndo para a minha esposa e tinha um ponto na frente, com um rapaz que nunca pegava ônibus aqui, mas aquele dia ele sentiu vontade e viu quando o menino chegou, escutou o barulho e correu para segurar ele", descreve.
O próprio pai quem arrebentou os fios e viu os bombeiros socorrerem o filho, em vida.
Na época de Leandro, como se não bastasse toda a dor, José ainda ouviu acusações de muita gente, de que a culpa era dele. "Você acha que um pai amoroso igual eu? Sempre amei meus filhos e no caso dele, não tinha explicação. Eu penso: desespero do que? Só se ele mexeu com alguma coisa errada, mas não tenho o que falar e ele não está mais aqui para se defender também", argumenta o pai.
A cada notícia que seu José escuta, ele se coloca no lugar da família de quem partiu, coisa que antes, nunca tinha experimentado fazer. "Vem tudo na mente, a situação, você imagina o sofrimento que aqueles pais estão passando e você se sente impotente e às vezes até se culpando... Poderia ter feito alguma coisa? Deixei de fazer algo para evitar? Machuca, mas a vida continua..."