Poesia 'sem contra indicação' alivia rotina de pacientes em hospital
Desenvolvido em hospital, projeto usa literatura para transformar cotidiano de quem espera voltar pra casa
No quarto do hospital uma mão marcada pelo acesso venoso segura a folha que não traz recomendações ou receita médica. O papel tem detalhes coloridos que combinam com o tom da caneta que Raquel Anderson, de 58 anos, usou para escrever um poema dedicado especialmente à paciente.
Desde 2017, a historiadora conduz o projeto ‘A Literatura Cura’ na Cassems. Raquele começou a escrever poesias, textos literários, aos 50 anos e diz ter desenvolvido a iniciativa para ajudar a sociedade.
“Eu queria que meu dom se reverberasse de alguma forma em benefício para a sociedade, porque penso que quando a gente estuda tem o dever de devolver para a sociedade. Todas as vezes que escrevo os títulos nunca nascem no início, a única vez que nasceu um título em primeira mão foi quando passei aqui na frente”, conta.
A experiência como historiadora contribuiu para elaborar o projeto de literatura hospitalar. “Do ponto de vista histórico desde o século dois na Roma Antiga já existiam prescrições de poesias com efeitos curativos. Eu fui estudar isso de como a literatura pode cumprir um papel importante no processo de cura”, explica.
Desde que iniciou o trabalho, Raquel escreveu para mais de mil pessoas entre pacientes e acompanhamentos. Ela comenta que dedica as poesias para o segundo público por perceber a forma como eles lidam com a internação dos familiares.
“Percebi que os acompanhantes dos pacientes oncológicos em alguns momentos estavam mais dilacerados nas emoções, mais tristes que os próprios pacientes. Eu escrevi um módulo e dei o nome de ‘Cuidar do Cuidador”, fala.
A Literatura Cura é desenvolvida em parceria com o setor de psicologia e comunicação do hospital e chega em todos os lugares onde estão os pacientes. Quando a pessoa recebe alta, Raquel manda cartas para a pessoa receber em casa caso queira.
O material de trabalho da Raquel é o estojo cheio de canetas coloridas, linhas de bordado e os papéis onde escreve as poesias. Com a bolsa em mãos, ela percorre quarto por quarto onde entra, se apresenta e conversa com a pessoa que está ali.
Ela relata que o contato próximo é essencial para fazer a iniciativa funcionar. “A minha entrevista dei o nome de anamnese literária. Por meio dela conheço os pacientes para extrair algumas relevâncias da vida dele e com inspiração nisso componho os textos”, diz.
O Lado B acompanhou uma das visitas feitas pela escritora aos pacientes. A conversa entre eles é leve e flui naturalmente sem formalidades. As pacientes dão alguns detalhes, falam sobre a passagem pelo hospital, de onde vieram e quem as esperam em casa. Em seguida, Raquel vai para a janela e com o papel e caneta em mãos começa a escrever.
Enquanto Raquel escrevia, as mulheres conversaram com a equipe de reportagem. Moradora do Aero Rancho, Emília Andrade comenta que jamais esperou entrar num hospital e receber uma poesia especialmente para ela.
“Nem passou pela cabeça, achei maravilhoso. A gente quando chega no hospital, entra já no jeito pra sair e ir embora. A gente só fica pensando na alta, em tomar remédio e ter alta”, diz.
Formada em enfermagem, ela trabalhava em outro hospital da cidade desde 2000. Mãe e avó, Emília fala que gosta de fazer de tudo quando recebesse alta faria alguma delas. “Cuidar da casa, limpar, fazer comidinha gostosa, chamar minhas filhas e fazer um peixinho com elas”, cita.
Após falar da refeição em família, Emília recebe a caixa onde Raquel coloca o poema. Emília tira o papel de dentro, lê calmamente e em seguida comenta o verso que cita cuidado e enfermagem.
“Via meu pai cuidando da minha mãe e dos meus irmãos e fui pegando gosto. Queria fazer medicina, mas não foi possível, fiz enfermagem e segui carreira”, pontua.
Na sala, Raquel não era a única a fazer anotações no papel. Segurando um post it, João Garcete, de 62 anos, anotava quietinho tudo que acontecia, perguntava o nome do projeto, o do jornal, o do fotógrafo e também o meu.
Sentado na cadeira, ao lado da cama da esposa Ana, de 62 anos, João justificou porque tomava notas dos acontecimentos do dia. “Eu fiz uma página pra ela. É ‘Pensando no Futuro e Sempre a te esperar’, porque sempre espero que ela retorne para casa e a gente volte a passear”, comenta.
O casal adora destinos com praia e sempre gostou de viajar. Os planos da aposentadoria incluíam fazer várias viagens, mas o tratamento pausou temporariamente esse desejo. “Depois de um mês que veio a aposentadoria dela veio esse câncer terrível, mas se Deus quiser vai dar tudo certo e vamos vencer”, destaca.
Casados há 32 anos, eles se conheceram em Nioaque num casamento. “Conheci a Ana numa Kombi, a irmã dela ia casar”, recorda. Ana relembra como foi o primeiro contato antes da Kombi. “Ele estava jogando num campo de futebol, ia saindo com a chuteira na mão, meu cunhado viu e falou: ‘Esse aí é meu amigo”, diz.
João foi convidado para o casamento e ambos começaram a conversar. Namoramos muito tempo, fui embora, voltei e ela sempre esperou”, conta. Após 10 anos de namoro, os dois oficializaram a união que segue firme até hoje.
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