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Comportamento

Quem vive em Bonito e Bodoquena sabe o que é “amigo” interesseiro

Tem morador que já perdeu as contas de pessoas que não dão "bom dia", mas ligam pedindo hospedagem de graça

Thailla Torres | 09/07/2021 06:38
Anna na Gruta do Lago Azul, um dos principais destinos turísticos de Bonito. (Foto: Arquivo Pessoal)
Anna na Gruta do Lago Azul, um dos principais destinos turísticos de Bonito. (Foto: Arquivo Pessoal)

Morar nos principais destinos turísticos de Mato Grosso do Sul é uma via de mão dupla. Beneficia tanto o morador que teve a sorte de viver perto do paraíso quanto as pessoas mais próximas que podem fazer aquela visita e de quebra aproveitar as belezas que o estado garante. Mas será que todo mundo sabe os limites dessa relação?

Apesar das belezas naturais por todo canto, não há como negar que Bonito – a 260 quilômetros de Campo Grande – é a queridinha quando o assunto é turismo. Hoje na lista de um dos mais belos destinos do país, o lugar se destaca pela natureza e também exige do turista dinheiro no bolso. Mas sempre dá para fazer um roteiro com preço camarada se você optar por atrativos com descontos e até ofertas de hospedagens mais reduzidas que também estão disponíveis.

No entanto, quem vive na cidade já perdeu as contas de quantos telefonemas já recebeu com pedidos de hospedagem em suas casas, mesmo sem essa possibilidade. Há dois anos, a jornalista Anna Gomes, 34, recebeu proposta de trabalho em Bonito e se mudou. “No dia da minha mudança, acredite, teve gente que me ligou pedindo pra ficar na minha casa, gente que já estava em Bonito. Eu morava numa casa minúscula e tinha caixa até o teto, era impossível hospedar alguém”, lembra.

Depois da mudança, Anna diz que o telefone nunca parou de tocar. “A galera acha que sua casa é hotel. É muita gente pedindo a mesma coisa. A pessoa que se convida acha que só ela faz esse pedido, mas não. Quase todo fim de semana tem alguém querendo visitar e ficar na minha casa”.

Na maioria das vezes é gente conhecida, diz Anna. “Os amigos mesmo, os mais próximos, que eu gostaria que ficassem na minha casa, quase não pedem. Já os conhecidos, gente que nunca falou comigo direito, são os que mais pedem. E ainda pedem para trazer desconhecidos”.

Uma vez ou outra aceitar alguém em casa é bacana, concorda Anna, no entanto, o maior perrengue é com o que sobra depois que a visita vai embora. “A galera ainda quer cozinhar na sua casa para economizar nos restaurantes e dane-se a bagunça. Outros ainda querem dormir com o ar-condicionado e eu que tenho que trabalhar para pagar a conta de luz”.

Com essas e outras situações, Anna passou a refletir até sobre os próprios comportamentos. “Depois que me mudei comecei a me perguntar se algum dia já fui folgada na casa de alguém. É chato falar 'não' o tempo todo, porque às vezes as pessoas interpretam de outra forma. Por isso, eu já vi muita gente aqui inventando mentiras, dizendo que vai viajar, só para não precisar dizer não às pessoas que pedem hospedagem”.

Júlia em um dos paraísos de Bodoquena. (Foto: Arquivo Pessoal)
Júlia em um dos paraísos de Bodoquena. (Foto: Arquivo Pessoal)

E o time dos folgados não perdoa nem na hora da paquera. Morando há quase dois anos em Bodoquena, outro destino turístico belíssimo e encantador no estado, Júlia Paiva, de 29 anos, já ouviu muito pedido de homem desconhecido para se hospedar na sua casa.

“Os meus amigos sempre são convidados e muito bem recebidos.  Mas alguns homens já começaram a me seguir, puxaram papo e quando viram minhas fotos nos rios, logo falaram que viriam aqui e pediram hospedagem. Até hoje isso acontece”, conta.

Júlia até se dispõe a sugerir hotéis e hospedagens com preços camaradas na cidade, no entanto, as “paqueras” são insistentes. “Um deles, quando eu falei de hotel, na hora me questionou se podia ficar na minha casa. Quando eu disse que não, porque eu nem o conhecia, ele se ofereceu para ficar no meu quintal e montar sua barraca”, ri.

Morador de Bonito desde a infância, o publicitário Douglas Penha Pinto, de 37 anos, sempre foi receptivo, até com desconhecidos. Na fase da adolescência, em dias de Carnaval ou festivais na cidade, ele já viu a casa lotada de amigos e amigos dos amigos, com barracas pelo quintal e mais de quatro carros estacionados na porta. Hoje, com boa parte dos amigos seguindo outros caminhos e eventos que foram reduzidos, essa festança diminuiu, mas ele não se incomoda de receber os amigos, desde que a simpatia e a camaradagem sejam recíprocas.

Douglas na Nascente Azul, outro atrativo belíssimo de Bonito. (Foto: Arquivo Pessoal)
Douglas na Nascente Azul, outro atrativo belíssimo de Bonito. (Foto: Arquivo Pessoal)

Recentemente, em tom bem-humorado, ele até desabafou nas redes sociais sobre os “ingratos” que pedem favores, mas quando chegam ao destino nunca o procura para um papo descontraído. “Falei sobre ‘amigos’ ou conhecidos que ligam, falam que estão chegando, que pedem sugestões do que fazer na cidade, o que é mais barato, mas quando chega na cidade a pessoa mal dá um tchauzinho de longe. O bacana é quando esses mesmos amigos que pedem favores, também topam um encontro, um brinde”, enfatiza.

Douglas destaca que, respeitando o espaço do outro, ter conhecido em cidades turísticas como Bonito é sempre um benefício. “Muitos nos procuram porque existem sim opções mais baratas em Bonito. É possível encontrar um balneário com preço mais acessível, encontrar a chácara de um amigo, descontos em baixas temporadas, e até mesmo descontos que a gente como morador consegue em alguns destinos”, explica.

Por isso, tudo bem pedir aquela ajuda ao amigo, mas é preciso também reconhecer os limites de quem vive no destino. “Muitas vezes a gente só não tem condições de receber em casa, apenas”, finaliza Anna.

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