Sapos, pererecas, cachorro e as histórias de algumas serenatas madrugada afora
"Abre a janela ó querida, venha ver o luar cor de prata...". Aprendi com meu pai o sabor das serenatas. Ver uma luz se acender, a janela se abrir e o pessoal da casa receber os músicos no aconchego de uma sala ou uma varanda com um café da hora.
Essa magia sempre me encantou e quando cresci, os amigos me carregavam com a sanfona pra fazer serenata.
Era janeiro em Aquidauana e a temporada de chuva estava no auge. E, numa rua ali perto do rio, isso significava sapo e perereca. Ainda não consigo enfrentá-los. Chegamos de noitão na tal casa e os amigos ficavam do meu lado chutando os sapos, pra eu poder tocar.
Quando, enfim, a janela se abriu... uma pessoa furiosa nos avisou que a homenageada morava nos fundos e lá fomos nós pelo corredor. Quando dei o primeiro acorde, saiu um cachorro que não gosta de música e veio pra cima de nós. O povo saiu correndo me deixando pra trás com sanfona e tudo.
Tive que correr assim mesmo pra salvar a canela. Foi difícil me convencerem a voltar, mas a aniversariante apareceu pra nos socorrer e deu tudo certo.
Quando o São Julião estava abandonado, a música era grande aliada dos hansenianos e a tradição das serenatas permaneceu por um bom tempo, depois da chegada dos voluntários. O aniversário da antiga colônia sempre começava com uma serenata.
Nosso grupo se reunia às 3 da manhã no pavilhão 36 e de lá ia subindo, tocando e cantando, pelos quartos, enfermarias e a clínica, até a portaria, nos primeiros raios do sol.
O 5 de agosto trazia noites frias, com cerração, mas nossas serenatas sempre tiveram calor humano e terminavam com cafezinhos, biscoitos e chocolates, na casa da Irmã Luiza e da Irmã Silvia. Essas foram as serenatas mais bonitas da minha vida.
*Lenilde Ramos é sanfoneira e autora do livro "História sem Nome"