Ser preto no mundo da moda é ouvir que “loja deu chance para mendigo”
Jariz sofreu racismo após trabalho como modelo e isso reforçou a importância de um editorial belíssimo que ele desenvolve há anos
Ao longo da vida adolescente e estudantil, Jariz Beor esteve em espaços pouco frequentados por pessoas de pele preta, como ele. Portanto, convivia, diariamente, com pessoas não negras. Em suas fases já se viu vigiado pelas vendedoras ao entrar numa loja do shopping e até questionado no corredor do supermercado sobre produtos por clientes brancos que acham que só por ele ser preto é funcionário. O percurso da vida profissional hoje não está sendo muito diferente.
Cabeleireiro famoso em Campo Grande e modelo nas horas vagas, recentemente ele viveu, mais uma vez, ataques racistas após trabalho como modelo fotográfico para uma loja de roupa masculina famosa na cidade. Por inúmeras vezes isso já aconteceu, não é novidade na vida de Jariz, mas as redes sociais deram chance de comentários racistas não permanecerem em silêncio.
“Bela atitude em colocar mendigos pra serem modelos”; “O cara da foto principal lembra esses malucos morador de rua”; “Achei que era reportagem sobre moradores de rua”; “Deus, leve esse garoto ao cabeleireiro”. Essas foram algumas das frases que o modelo ouviu e leu durante a veiculação do trabalho nas redes sociais.
A loja se manifestou em defesa ao modelo e excluiu os comentários criminosos. Mas o que fica é o racismo, que parece não ter hora para ir embora. Por isso, Jariz não se cala e realiza um editorial como forma de viver momentos de avanços em relação a representatividade negra.
O editorial ‘Crespas do Beor’, com mulheres negras e cabelos cacheados de diferentes texturas e curvaturas, foi lançado em meio a chuva de comentários preconceituosos contra o cabeleireiro, que só reforçou a importância de se falar sobre o assunto.
“Eu sou muito convicto de quem eu sou, da minha personalidade, etnia, então, não são esses tipos de comentários que vão me derrubar. Mas, na minha profissão, por eu ser homem negro, crespo e gay, eu tenho que trabalhar três vezes mais para manter em destaque. E o fato de eu estar inserido na moda fora dos padrões de beleza egocêntricos, é um choque para a sociedade. Para alguns brancos eu não tenho estilo para aquelas roupas, eu não sou adequada e modelo negro não pode alcançar e nem ser visto com bons olhos. É como se a gente não pudesse ser nada”, comenta.
Nesse contexto Jariz prova que pode ser tudo e levar muita gente para o topo como ele, o que também incomoda, claro, uma vez que ele dá voz e poder a mulheres que normalmente não estão nos salões de beleza exaltando seus cachos, mas alisando para respeitar a cobrança de um povo que olha os cachos e suas diferentes curvaturas como algo ‘bagunçado’ na estética humana.
“Justamente por isso eu não desisto desse editorial que repito todos os anos. A ideia é colocar mais mulheres, com texturas diferenciadas para que elas se enxerguem e vejam que o cabelo cacheado não é algo desleixado, que você não pode usar em um evento. O cabelo cacheado é lindo, e pode ser tanto despojado quanto clássico.”
E o trabalho não se resume a autoestima. É mais uma vez uma forma de educar o outro. “Não é fácil você ter um estereótipo de beleza que não é aceito, que não é considerado padrão. Muitas mulheres, especialmente as mulheres, precisam alisar seus cabelos para poderem conseguir uma vaga no mercado de trabalho porque as empresas dizem que o cabelo cacheado é desleixo. Então esse editorial é também uma forma de conversar com essas pessoas, para que elas entendam que nós somos iguais.”
Para Jariz é um trabalho formiguinha que, às vezes, parece não ter fim, mas altamente necessário. “Eu acho que isso vai mudar a longo prazo, só na hora que entenderem que nós somos iguais. Por muito tempo fomos desmerecidos porque tínhamos que servir brancos. Então precisamos mostrar quem somos, para essas pessoas entenderem que precisamos de respeito, de empatia, de pensar no outro. A minha missão aqui é empoderar, não importa o que acontece, estarei sempre exaltando a beleza dessas mulheres negras e de seus cachos.”
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