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Comportamento

Tabeliã mais antiga de MS, Air deixou digitais na história de Vicentina

Dona Air, que morreu de covid, ajudou a emancipar Vicentina, bem como testemunhou a transformação da região

Lucas Mamédio | 06/07/2021 06:40
Dona Air tinha uma paixão especial por plantas (Foto: Arquivo Pessoal)
Dona Air tinha uma paixão especial por plantas (Foto: Arquivo Pessoal)

É quase impossível olhar para a história e o processo de desenvolvimento da região de Vicentina, a cerca de 250 km de Campo Grande, e não ver as digitais de dona Air Ortiz do Nascimento.

Tabeliã desde 1964, era a mais antiga em atividade em Mato Grosso do Sul. Acompanhou de perto, desde então, e de variadas formas, as transformações da cidade de Vicentina, cuja emancipação, em 1989, não sairia se não fosse sua bravura, do marido e de outros ilustres cidadãos.

Dona Air, muito jovem, com seu marido, José Nascimento (Foto: Arquivo Pessoal)
Dona Air, muito jovem, com seu marido, José Nascimento (Foto: Arquivo Pessoal)

Infelizmente, mesmo após tomar duas doses da vacina contra o coronavírus, dona Air morreu por complicações da doença na última sexta-feira (2).

Esposa do politico José Nascimento, que também foi prefeito de Vicentina, mãe de 10 filhos, avó de 20 netos, 12 bisnetos e 01 tataraneto, dona Air representava um pedaço da história local que poucos tiveram o privilégio testemunhar, mas que todos respeitam.

Ainda muito abalados pela perda da matriarca, poucos familiares conseguiram falar. Quem conta tudo que sabe sobre a avó, é Patrícia Paula Nascimento, jornalista que hoje mora na Europa.

“A minha avó é, para mim, uma pioneira, um exemplo, uma exceção nas estruturas de uma sociedade machista mas que soube conservar o espirito de servir à família. Encontrou no caminho do meio o equilíbrio entre a profissão e o lar”, conta Patricia.

Dona Air durante viagem a Paris com familiares (Foto: Arquivo Pessoal)
Dona Air durante viagem a Paris com familiares (Foto: Arquivo Pessoal)

Nascida em Dourados no dia 24 de outubro de 1932, Air mudou-se para Campo Grande para estudar no colégio Maria Auxiliadora.

Aos 15 anos retorna para a casa da família em Rio Brilhante e conhece o cabo do exército José Nascimento. Casam-se e partem para o interior de São Paulo. Retornam para Itaporã e finalmente, no dia 07 de setembro de 1955, chegam à Vicentina acompanhados dos 3 primeiros filhos.

 Segundo a neta, tendo vivido em Vicentina por 66 anos, Air contribuiu para o crescimento e desenvolvimento da cidade, principalmente por apoiar o marido José Nascimento nas suas lutas políticas pela criação do município e também, claro, exercendo o ofício de tabeliã.

Dona Air sempre soube consciliar rotina do trabalho e família (Foto: Arquivo Pessoal)
Dona Air sempre soube consciliar rotina do trabalho e família (Foto: Arquivo Pessoal)

“Ao assumir o Cartório do Registro Civil, em 1964, numa época em que o país era dominado por homens em todas as áreas e profissões, minha avó se tornou um referencial para muitas mulheres”.

Patrícia conta que mesmo sendo taleliã, sua rotina de dona de casa não estava completamente alterada.

“Todos os dias às 10h00 da manhã, ela deixava o cartório nas mãos da auxiliar e voltava para casa e para a sua rotina: preparar o almoço para a família, encaminhar os filhos e as netas para a escola, dar instruçoes para o serviço da limpeza da casa. Mais uma lição para mim: minha avó demonstrava que era possível unir as tarefas do lar e da profissão”

Assim, nos últimos 57 anos, Dona Air foi testemunha de felicidades, tristezas e conquistas dos homens e mulheres de todas as classes sociais que estiveram no cartório.

“Terras mudaram de donos pelas suas mãos. Meninos e meninas que nasceram na região tiveram seus nomes e cidadania registrados nos livros de minha avó, para em seguida, crescerem, casarem-se, terem filhos, e registrá-los nos livros de minha avó”.

Dona Air juntos dos filhos no casamento de uma das filhas (Foto: Arquivo Pessoal)
Dona Air juntos dos filhos no casamento de uma das filhas (Foto: Arquivo Pessoal)

Patrícia lembra que quando era criança,adorava ficar no cartório vendo ela trabalhar. “O que ela fazia parecia importante aos meus olhos infantis. Hoje tenho certeza de que é”.

Entre os trabalhos que ela realizava, segue a neta, o mais emocionante era assistir os casamentos.

“Na pequena vila Vicentina, cerimônias de casamento eram como ir ao cinema. As noivas chegando com seus vestidos brancos. Algumas muito simples; outras, extravagantes, com babados, bordados, muitos bordados. Algumas rodeadas de muita gente; outras, apenas com alguns poucos familiares.  Algumas cobertas de maquiagem; outras, cobertas pelo de pó da estrada.  Mas, todas iluminadas pela felicidade do que elas consideravam um sonho realizado”

Leitora ávida, gostava da revista Readers Digest, e livros como, "Meu Pé de Laranja Lima"e "Éramos Seis". “Minha avó deixa até hoje a neta jornalista perplexa com a abrangência do seu conhecimento ao recitar verbos em francês!”

“Por tudo isso, eu agradeço: por ter sido o meu porto seguro, o meu amor incondicional, o meu colo macio. Te amo pra sempre”, finaliza Patrícia.

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