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Comportamento

Wilson, a Copa do Mundo e a comemoração do gol de Rivaldo durante replay

Marta Ferreira | 14/02/2018 09:11
Em campo, Brasil e Dinamarca em 1998, jogo que terminou 3 a 2.  (Foto: Reprodução internet)
Em campo, Brasil e Dinamarca em 1998, jogo que terminou 3 a 2. (Foto: Reprodução internet)

Era 3 de julho de 1998. A seleção brasileira enfrentaria a Dinamarca pelas quartas-de-final do torneio da França, do alto da condição de tetracampeã em 1994, nos Estados Unidos. Ronaldo era o Fenômeno do momento, eleito melhor do mundo em 1996 e 1997.

Rivaldo estava no auge, com a elegância que também o faria chegar ao topo dos craques. Não tinha jeito. O penta parecia logo ali, bastava ganhar aquele jogo, a semifinal e pá, ir para a final e arrematar o título. Nada disso ocorreu, como as páginas de jornal e a internet ainda engatinhando àquela época não deixam esquecer.

Campo Grande, pintada de verde e amarelo, estava parada, igualzinho o restante do País. Ninguém nem tocava em política, embora houvesse uma campanha à vista, e fosse aquele, o último ano de Wilson Barbosa Martins em cargos públicos.

Seu grupo perderia, daí poucos meses, o comando do Parque dos Poderes para Zeca do PT. Ninguém sabia, mas aquele ano, além de tragédia no futebol nacional, era de uma mudança histórica nos ciclos de poder locais.

Mas, no clima de euforia da Copa da França, nada disso era tema. Tinha jogo decisivo e essa era a pauta, o assunto em qualquer lugar. No começo do expediente à tarde, no falecido jornal Diário da Serra, o editor Oscar Ramos Gaspar saiu de sua sala envidraçada, o famoso “aquário” tradicional nas redações de outrora, e gritou: quem quer ir acompanhar o futebol na casa do “Doutor Wilson”. A resposta foi um “cri-cri-cri” constrangedor.

“Eu vou”, gritou quem escreve esse texto. À caça de algo diferente para contar além das concentrações de torcedores entusiasmados, não raro alcoolizados, vi só um ponto de interrogação ao vislumbrar a figura do governador já idoso e, para a gente, jovem de seus 20 e poucos anos, um tanto "protocolar" demais, vendo algo tão popular quanto futebol. Wilson tinha 81 anos e fazia seu segundo governo.

Fomos lá, eu o repórter fotográfico que, se a memória não trai, é o craque Valdenir Rezende, profissional do Correio do Estado há muitos anos. Fomos recebidos pela funcionária da família, no predinho famoso da rua 15 de Novembro, o mesmo onde Wilson deixou essa vida nesta terça-feira (12), depois de meses recebendo cuidados médicos no ambiente caseiro.

Na sala, de móveis antigos, com cara de “casa de vó”, estava o casal Wilson e Nelly Martins, falecida em 2003. O cardápio era chá com biscoitinhos, impensável nos programas típicos para ver futebol. Estranhamos, claro. Não rejeitamos quando oferecido e estava bem bom.

A repórter sentou-se, um tanto dividida entre fazer perguntas ou só observar para relatar. O profissional das lentes ficou de pé, tinha que registrar tudo. Poucas vezes tive coragem de interromper o silêncio, mas perguntei algo sobre o futebol do passado e o político lembrou dos grandes nomes até os tempos de hoje, como Pelé e Garrincha. 

Com ar de nostalgia, analisou que antes, era uma arte mais lenta, que dependia menos de força física. Um quadro que só ficou mais evidente ainda ao passar dos anos, como sabemos.

Jogo em andamento, a Dinamarca fez primeiro, logo no início da partida, aos 2 minutos. A vontade era de praguejar, porém silenciamos. Doutor Wilson, com os braços erguidos brevemente, lamentou. Dona Nelly fez uma espécie de muxoxo.

Wilson ao lado da mulher, Nelly Martins, falecida em 2003. (Foto: Reprodução da internet)
Wilson ao lado da mulher, Nelly Martins, falecida em 2003. (Foto: Reprodução da internet)

O desânimo durou poucos minutos. Bebeto empatou aos 11 e, aos 27, o espetacular Rivaldo marcou para colocar o Brasil na frente.

No segundo tempo, a Dinamarca marcaria mais uma vez, aos 5 minutos, fazendo do jogo “teste pra cardíaco”. Mas Rivaldo novamente colocaria as coisas “no lugar”, desempatando 6 minutos depois.

Lá fora, a torcida explodia, com certeza. Os fogos davam o tom da festa. Naquela casa, com aquele casal de senhorzinhos, por acaso governador e primeira-dama, não havia comemoração efusiva. 

Ali, o futebol parecia não fazer tanto sentido nem justificar a paixão super aflorada nesta época de boa fase. Observando as reações, ficamos entre não compreender a calmaria deles e achar meio ridículas as manifestações ensandecidas dos “comuns”.

Para mim, mais de 20 anos depois, ao relatar o falecimento de Wilson Barbosa Martins, sepultado nesta Quarta de Cinzas, a memória mais forte desse dia não tem muito a ver com esporte. E menos ainda com política. Ficou registrado algo prosaico ocorrido durante o intervalo da partida.

Na televisão, eram exibidos os gols. Quando surgiu a imagem de Rivaldo marcando para desempatar no primeiro tempo, a primeira-dama tem sua reação mais animada em duas horas. Ergue os bracinhos e dá uns gritinhos. Celebra. De sua poltrona, calma e delicadamente, Wilson avisa: “é o replay”.

Rimos contidamente, como convinha à situação, sem saber que, dias depois, viria o fracasso da final com a França e, meses depois, Wilson deixaria o Parque dos Poderes, os cargos públicos, e passaria a ser figura da história da política estadual.

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