Quem precisa, vence o tumulto para carregar nos braços 60 quilos de reciclável
Os quatro dias de festa na região histórica acabaram na terça, mas o trabalho continua em família.
Raquel Lisboa dos Santos, de 56 anos, garimpou durante 15 anos restos no aterro sanitário Dom Antônio Barbosa II, na saída para Sidrolândia. O ofício lhe trouxe muitas dores, mas também conquistas que fazem hoje a cuidadora de idosos sorrir em meio à multidão de 40 mil pessoas do Carnaval, na Esplanada Ferroviária.
Os quatro dias de festa na região histórica acabaram na terça, mas lá esteve Raquel com as filhas, o genro e a amiga que carregam na identidade passos como catadores de recicláveis. Hoje, Raquel tem emprego fixo, mas não abre mão de catar latinhas em época de Carnaval e Expogrande. “É catando que eu sustentei meus filhos, tenho orgulho disso aqui”, justifica.
E olha que tempo não foi tão justo com Raquel, conforme suas lembranças. “No lixão apanhei dos ‘nóias’, a gente catava, ganhava o dinheiro e eles batiam na gente dentro do barraco para roubar o ganho do dia”, recorda.
Mas foi o dia que conquistou a própria casa que fez a catadora “esquecer” o passado. “Hoje eu tenho meu cantinho, do jeito que eu gosto de manter, é simples, mas dá pra viver. Tem coisa melhor do que isso?”, questiona.
Mesmo com o trabalho como cuidadora, o exercício de catar “está no sangue” diz Raquel. “Dá um dinheirinho no fim da noite e não estou trabalhando à noite nesses dias, então eu venho catar”.
Por noite são pelo menos dois sacos que cabem 60 kg de latinha, segundo a catadora. Este ano, como o Carnaval viu o público crescer, o trabalho compensou. “Eu não paro um minuto”, diz rapidamente enquanto coloca parte das latas já recolhidas em um saco quase lotado.
Às 22h, quanto o Carnaval chegou ao fim, ela, a filha mais velha e a amiga Tatiana Martins Guimarães, de 57 anos, correram para as ruas afim de recolher o que restou. Na última terça-feora, a concorrência foi grande e elas perderam alguns quilos de latas. “A gente cata e de repente quando olha pro lado alguém levou nosso saco embora, não pode dar bobeira”.
Nos olhos de Tatiana, o reflexo do cansaço de quem catou desde às 17h e ainda precisava chegar ao trabalho como auxiliar de limpeza às 6h da manhã desta quarta-feira. “Nem vai dar tempo de descansar, ainda tem muita lata jogada no chão”.
Tatiana também é exemplo de quem criou os filhos sozinha, no ofício de catadora. “Não é fácil, não vou mentir, mas pelo menos eu não precisei colocar meus filhos para catar também”.
O dinheiro conquistado na noite já tinha destino certo. “A gente não vai ficar sem mistura, ainda tenho duas crianças menores de idade, então elas precisam de comida e leite”, relata.
Depois de quase seis horas de trabalho catando latas pela Esplanada, a família enfrenta um novo desafio: cruzar a multidão que fecha a Avenida Calógeras para chegar até a Maracaju. “Menina do céu, é difícil, tem gente que empurra e não abre passagem”, conta Luiza Lisboa dos Santos, filha de Raquel, que fica sentada ao lado das latas enquanto a mãe cata.
Depois de quase meia hora atravessando a multidão, a família contrata um frete por R$ 40,00 para levar as latas. “Nessa hora a gente tá morto, então o jeito é também pagar um Uber”, conta, lembrando o caminho para casa até o Jardim Canguru.