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Diversão

"A música salva", garante grupo com ficha policial, mas vontade de viver do rap

Aline Araújo | 16/05/2015 07:12
"A música salva", garante grupo com ficha policial, mas vontade de viver do rap

Foi em uma casa simples, no “beco” do Tiradentes, como eles mesmo definem, que o grupo de rap LocoLeste recebeu a equipe do Lado B. As paredes da sala são todas grafitadas, o lugar respira a cultura hip hop e a entrevista rola com som de rap ao fundo.

Muito mais do que um estilo musical, é um estilo de vida, presente na roupa, nas tatuagens e no jeito de falar de quem pertence ao mesmo clã, tribo, família se preferir. Uma cultura rica, cheia de ideias que apesar de estar presente no dia a dia, acaba “escondida” na periferia, principalmente, de cidades como Campo Grande, conservadoras.

Na rima, Paulo Alexandre Moraes, de 20 anos, o Woompa; Gabriel de Souza Pereira da Silva, o Neco, de 17; Matheus Leonel, 20, o Yuli; Fabio Henrique Benites, de 23, o Loco Lov. Nas picps, Juliano Caldeirão, o Dj Prato e, para somar com o grupo, Elder Samuel Miazi, que é grafiteiro.

Dos 6, só Elder não tem ficha policial. O restantes diz que foi salvo pelo rap.

"A música salva", garante grupo com ficha policial, mas vontade de viver do rap

“Nós 5 era do crime, eu queria só que os caras entendessem que o rap nos tirou disso. O rap salvou por um motivo só, porque eu não quero cair preso e ficar um, dois anos sem subir num palco, eu não quero mano. Então, porque eu vou bater cabeça, tenta ferver uma droga, fazer um assalto se eu sei que posso rodar e nunca mais ver meus truta, então isso faz o cara sair do crime. Por isso que o rap salva, como qualquer outro tipo de música, se o cara se dedicar”. O desabado é de Woompa, um dos primeiros integrantes do grupo.

Ele veio de Ponta Porã para Campo Grande e conheceu Neco, que o apresentou a Yuli. “A gente começou a fazer uma rimas só no freestyle só zoando mano. Quando deu umas duas semanas, a gente escreveu um som e gravamos na 'Linha dos Versos', um estúdio que tem aqui no Tiradentes. Ai, a gente começou a tocar no Holandês Voador, um barzinho de rock da Manoel da Costa Lima, que nem existe mais. Foi quando a gente decidiu fazer evento no Rocker's (bar)” relembra.

O LocoLeste nasceu no dia 19 de junho de 2012. De lá para cá, tem conquistado espaço na cena, e reconhecimento de quem gosta do trabalho. Mas não é fácil, o preconceito ainda existe e é uma barreira para quem quer viver da música de rua.

"A música salva", garante grupo com ficha policial, mas vontade de viver do rap

A conversa começa com o tema respeito. “O nosso movimento já foi muito atacado, já aconteceu da gente estar tocando na na Orla Ferroviária, de frente para o nosso público e a polícia chegar. Quando a gente viu, todo mundo saiu correndo. A gente tinha alvará e o cara rasgou na nossa frente. Mandaram a gente parar senão ia sobrar bala e borracha para todo mundo. Eu não entendo isso. Só porque a gente usa roupa difeente e mora na quebrada”, diz Woompa.

Com o tempo e muito trabalho, eles abriram caminho para os grupos novos que vem surgindo na cidade. São pioneiros aqui e já conseguiram se estruturar em um clã, que funciona como uma rede para fortalecer o movimento. São dos “Frei de Bura”, um coletivo de artistas do Estado, que participa do “2° Eixo”, que reúne clãs de vários estados brasileiros.

Os clãs têm regras, como lealdade e profissionalismo para construir o nome. Parecem sérios, pela organização garantida em reuniões periódica. A primeira reuniu mais de 27 artistas de Campo Grande. Um exemplo: se o LocoLeste promove um evento de rap, ele convida outros grupos para se apresentar, e eles tocam sem cobrar, apenas para fortalecer o movimento e formar público e vice e versa.

"A música salva", garante grupo com ficha policial, mas vontade de viver do rap

Os meninos já fizeram som para 5 pessoas, mas também atingiram a lotação máxima, com gente esperando do lado de fora. O reconhecimento acontece pelas músicas com críticas e também pelos vídeos divulgados na internet.

Foi quando eles começaram a investir. Os ensaios eram todo dia, compraram aparelhagem completa de som e, para ajudar nas finanças, alugavam o equipamento para as festas onde iam tocar.

Até que um dia, em uma festa feita na zona oeste, aconteceu uma confusão e eles perderam toda a aparelhagem. “O que não foi roubado nosso, foi quebrado. A gente perdeu tudo, voltamos a ensaiar no radinho. Foi dois anos de trampo para perder numa noite”, conta Yule.

O LocoLeste teve que montar uma nova estratégia para se manter e buscou contatos com os grupos da cidade para fazer alianças, de onde surgiu o clã.

O dinheiro não é nada comparado com as grandes estrelas. "A gente dividia o cachê em 5 das festas, dá uns R$ 60,00 para cada um. Tira os 30 do dinheiro do táxi, come um lanche e acabou. No outro dia só tem nota de R$ 2 no bolso", comenta Yule, em tom de brincadeira.

Assim eles entenderam que precisavam produzir as próprias festas e apostaram na carreira. “A gente começou a investir o dinheiro em outras coisas, em produzir o nosso som, as festas. O rap não foi feito para você ganhar dinheiro em cima dele, nele você tem reconhecimento, satisfação de ser músico. O dinheiro é consequência de você ser produtor musical, de eventos, ser empresário”, comenta Neco.

Rimas - Nas músicas o grupo mostra o que vive no dia a dia da periferia. Fala de maconha, da repressão da polícia e do que eles percebem sobre a sociedade.

"Nos dias mais sofridos que eu vejo uma evolução, peço “pro” senhor perdão, mudo a minha percepção. já tá escrito não desacredito que “tamo” no fim o mundo é do cão, já era fi. Feridas inflamadas dominam Estado, um passo errado e vai ter pobre fuzilado. Grandes organizações que só controlam mentes pequenas, padrões de personalidade funcionam pior que algema, mas o real é invisível e não aparece...” diz o verso da música "Começo do fim".

Eles querem rimar dos assuntos que pouca gente fala. “Existe o tráfico, existe a venda de droga, o uso de droga no rolê, existe a pichação. Existe. Mas isso não é a gente que tem que controlar é a policia que tem que manter a ordem. A gente não tem nada a ver com isso, os caras vão generalizar e arrebentar todo mundo? Não tem nexo. Falam que é apologia, mas é liberdade de expressão, a gente fala do que a gente vive”, pontua Woompa.

Hoje, todos trabalham. Um é pedreiro, outro faz mixagem, tem vendedor, tatuador e organizadores de festas. “O rap é a voz da periferia e tem muita gente boa aqui, só que as pessoas não conhecem, e o que a gente quer mostrar é o nosso trampo, na humildade. A gente só quer respeito pelo nosso trampo”, comenta Neco.

O Locoleste se apresenta neste fim de semana no A Banca Music Festival, no Rota Acústica.

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