Como seria bom encontrar uma quitanda em Campo Grande como muitas da França
A dúvida de muitos amigos é se os pratos franceses possuem tão pouca quantidade como apresentado nos restaurantes instalados no Brasil. A resposta é: não. Na França come-se muito e, diga-se de passagem, a variedade e a particularidade dos alimentos só é comparável em grandes mercados especializados, quase inexistentes em Campo Grande.
A grande diferença está nas empresas varejistas, que possuem opções de marcas de todos os produtos ofertados, aumentando a competitividade e o baixo preço. Os atributos dos perecíveis são de encantar os olhos, o olfato e o paladar. Em um mercado no bairro que estivemos hospedados, frutas, verduras e legumes são de primeira linha, muitos importados dos países da África, do Sul da Europa e, também, da América do Sul.
São poucas as quitandas e feiras em Campo Grande que podem ser usadas como comparativo, tanto na variedade, quanto na peculiaridade e no preço. Por exemplo, é possível encontrar cenoura rouxa, batata azul, legumes desconhecidos na França e entre 5 e 10 variedades de maçãs. Alguns desses vegetais foram esquecidos pelos mercados franceses durantes décadas, mas uma febre camponesa, saudável e orgânica trouxe eles de volta para ampliar ainda mais a oferta.
Uma particularidade também pode ser encontrada nos restaurantes. Como Soniá conhece bem a cidade, evitamos estabelecimentos nas áreas onde há pontos turísticos perto. Nestes locais o alimento custa mais caro e não possui o frescor de uma comida bem preparada. Como em todo lugar turístico, os viajantes nem sempre desfrutam de uma boa gastronomia local e podem ser servidos pratos industriais fantasiados de caseiro.
Paris, sendo uma metrópole assim como São Paulo, um dos prazeres é de estender a viagem gastronômica a outras culinárias internacionais. Assim, um dos pratos mais saborosos dessa viagem veio de um restaurante vietnamita, que possuía um movimento intenso e fila de espera na hora do almoço, localizado no bairro Chinês. Se chama bò bún e é composto de rolinho primavera frito, vários vegetais frescos, pedaços de carne de boi cozidos na panela e macarrão de arroz. Encontramos todos os ingredientes em Campo Grande, agora só falta acertar a mão na receita.
Fora de Paris, há uma variedade de comida e sabores totalmente diversos. Vários dos melhores restaurantes franceses (e não necessariamente os mais caros) se localizam no interior do país, justamente para poder se aprovisionar de produtos frescos típicos da região e fazer viver essa gastronomia local com tradição e modernidade.
Durante nossa viagem para a Normandia e a Bretanha, passamos por vilarejos e cidadezinhas bem pequenas, e foi em uma dessas que paramos para almoçar. Encontramos um restaurante instalado em uma casa toda de madeira, com pequenas janelas e uma portinha lateral quase imperceptível. Ao entrar, e isso é uma das características dos franceses, é preciso esperar para que o (a) atendente possa te oferecer um lugar para sentar.
Em todo o tempo que estivemos no local vimos trabalhadores de obras, vendedores, jovens, famílias, capatazes, viajantes, aposentados e moradores da região. Para retirar o pedido, recepcionar, trazer os pratos e receber o pagamento só havia uma atendente. Muitas vezes, a pessoa que te recepciona é também o proprietário do local. O elevado custo da mão de obra faz com que os donos dos restaurantes se encarreguem de quase todas as tarefas, das compras, cozinha, serviço, limpeza e finanças.
Em todos os restaurantes que paramos, escolhemos a opção “rápida” do cardápio, composta por entrada e prato principal ou prato principal e sobremesa, mas há também alternativas completas com entrada, prato do dia e sobremesa.
A escolha destas fórmulas proporciona uma grande economia, já que o custo médio é de 10 a 15 euros para cada um e para a alternativa à la carte, os valores são bem mais altos. Os restaurantes oferecem também duas ou três possibilidades para os clientes que escolherem essas opções. Os locais onde os franceses saem para almoçar, geralmente atendem entre 12h e 14h.
“Será que vou conseguir comer pouco aqui na França?”, disse, em tom de brincadeira, para Soniá. A comparação é inevitável e entender que a gastronomia pode ser bem equilibrada, sem a necessidade de sentar-se à mesa, comer e ir embora, é fundamental. Escolhendo as opções com entrada, prato principal e sobremesa, alimentar-se na França vira quase um ritual, já que cada porção é servida com intervalos longos, que chegam a durar de 5 a 10 minutos. Além dos restaurantes, encontramos esse mesmo procedimento nos encontros familiares e de amigos. Há aperitivos servido com alguma bebida, uma ou duas entradas, um prato principal com vários acompanhamentos, saladas, queijos, sobremesas e doces com café. É possível satisfazer-se com pequenas porções que, ao final, compreendem um grande banquete.
Mas nem sempre é preciso encontrar restaurantes para se alimentar. Ainda na viagem pela região noroeste do país, escolhemos comprar mercadorias para fazer sanduiches e, em certos pontos das estradas da região, encontramos áreas para piquenique com mesa, bancos e, algumas, com banheiro. Em Landemer, na comuna de La Hague, na Normandia há um ponto de parada e foi ali que encontramos uma das mais belas vistas do mar. O local também faz parte de uma trilha de 21 km pela costa da península.
Já na Bretanha, paramos em um restaurante localizado em uma casa muito antiga, onde fomos comer o famoso crepe bretão. Após a entrada, o prato principal veio com salada e bacon em uma fina massa de crepe, feita com trigo sarraceno. Essa farinha, também chamada na França de trigo preto, possui um sabor totalmente diferente do cereal comum.
Outra característica dos franceses que também está ligada a alimentação é que o número de pessoas obesas não é tão perceptível quanto aponta os últimos estudos. Os parisienses, principalmente, se alimentam de maneira moderada e utilizam muito o transporte público, além de realizarem longas caminhadas. Isso proporciona que o gasto de energia do corpo seja muito maior e a reposição é feita dentro de um limite necessário. Várias vezes, observei que as refeições podem estar muito bem servidas, com comidas pesadas, mas que isso não influía na aparência das pessoas. Por exemplo, um dos acompanhamentos mais frequentes é batatas fritas.
Mas há muitas lojas de doces em Paris e isso é um fato. O diferencial é que, mesmo doces, estes produtos são feitos com pouco açúcar e com chocolates mais puros, sem conservantes ou gorduras hidrogenadas. E isso faz uma grande diferença no sabor e na qualidade de vida. Não vi nenhum doce ou sobremesa com leite condensado na França. Ao invés, se usa cremes diversos, geleias ou frutas. O paladar deixa de ser tão fortemente acostumado ao açúcar e passa a sentir novos sabores.
*Soniá é diretora da empresa Horizon France que oferece serviços de ensino do francês, traduções e divulgação da cultura francesa.
*Hugo é jornalista, diretor da empresa Módulo Comunicação.