Movimento cresce e batalhas de rap fogem da mesmice na programação da cidade
O movimento hip hop sempre existiu em Campo Grande, e sempre foi forte, mas estava espalhado pela periferia da cidade. Agora, com a mobilização dos grupos, a arte das ruas marca território na região central, com grafite, o break, beat box e as batalhas de rap, programa bem bacana para quem não gosta de mesmice.
Há cerca de três meses, a Batalha da Pontinha, feita nas proximidades do Shopping Campo Grande, e a Batalha do Rádio, as quintas-feiras na Praça do Rádio, começaram movimentar áreas mais centrais. “A batalha foi criada no intuito de unir a galera. Todo mundo começou a se conhecer, até os próprios MC's”, comenta Gabriel Souza, de 17 anos, mais conhecido como Neco, do grupo Loco Leste, um dos grandes representantes do movimento na Capital.
Ao lado da produtora Ellys Kohagura, de 19 anos, e do Mc Lucas Rodrigues Moura (Mc. Moura), de 20, ele passou a programar os encontros. Na Orla Ferroviária ou na Praça o Rádio, os eventos não tem dono e estão abertos para quem quiser somar. A união faz o “rolê” funcionar as quintas e domingos.
As duas batalhas já têm fama e são feitas no gogó, sem apoio de som ou microfone. Quem pertence ao movimento, reclama da falta de incentivo, mas, principalmente, do preconceito. “A polícia olha para a gente e já marginaliza, tanto que a galera tem medo, mesmo sem fazer nada errado. Eles nos julgam pelas tatuagens, pela roupa larga e geralmente já chegam tratando como se fossem bandido”, diz Neco. “As pessoas ainda não conseguem perceber que quem salva os manos do crime é o rap. Eu fui salvo pelo rap, nem sei o que seria de mim se eu ficasse com a mente vazia”, reforça.
Ellys esclarece a confusão, resultado do estilo da meninada que frequenta as batalhas. “Maloqueiro não é marginal e as pessoas precisam entender isso”, comenta.
Na luta para trazer o rap de Campão à tona e divulgar para muitos mais ouvidos, eles encontraram um parceiro. Certo dia, na preparação para gravar um clipe, o grupo pediu a Ulises Lino, de 31 anos, gerente do vagão da lanchonete “Expresso Universitário”, para que guardasse os capacetes e alguns materiais de vídeo enquanto as imagens eram captadas.
Ulisses ficou curioso, perguntou o que os meninos estavam fazendo, e quando descobriu que era um clipe, propôs a parceria para realizar um evento ali, na Orla, perto do vagão.
O projeto deu certo, a Batalha do Expresso vai acontecer uma vez por mês por ali. Na última edição, atraiu cerca de 200 a pessoas. A divulgação é por evento no Facebook e no boca a boca.
“A gente já queria fazer algo aqui mesmo e eu combinei com eles. A gente faz tudo na parceria. Eu ajudo com caixa de som, alugo mesa de som E eles trazem outras caixas e cuidam da batalha. Todo mundo ganha com isso”, comenta Ulisses.
Com o apoio, os meninos e meninas do movimento conseguiram um padrinho. "A policia veio aqui e foi embora, porque o Ulisses soube conversar, se fosse só a gente, não ia ser assim, e foi uma vitória. Porque é isso que todo mundo quer, eles tinham que chegar sempre, eles estão aqui para proteger a gente", comemora Neco.
O local já tem a cara do movimento, com as paredes grafitadas e um cantinho que se transforma em palco na hora do evento. Grupos de rap também aparecem para cantar por lá, mas o show ferve mesmo é na hora das batalhas. São dois tipos, de sangue e de conhecimento.
A batalha de sangue é quando os dois MC's se enfrentam e dentro de um tempo devem ofender um ao outro, mas as ofensas tem regras e no final viram uma grande festa. Eles se cumprimentam e os insultos não saem da luta musical.
O outro tipo de batalha é a de conhecimento, onde o público sugere temas e cabe aos competidores usarem a criatividade. Para mostrar que a garotada é engajada, é comum temas como morte de indígenas, violência ou legalização das drogas. Os participantes devem rimar dentro do tema, ganha quem arrancar mais aplausos do público no final.
As batalhas também tem cunho social, os encontros são ponto de arrecadação de livros, alimentos e brinquedos, que são entregues para a AACC (Associação dos Amigos das Crianças com Câncer) e para as famílias da favela Cidade de Deus.
A premiação é simbólica, são camisetas doadas por empresas parceiras do movimento. Na penúltima batalha, quem ganhou a competição foi o rapper João Paulo Morato, de 23 anos. Ele ganhou a batalha de sangue.
“Eu não participava de batalha de sangue por causa da ideia da ofensa, mas descobri a beleza da verdade. É agressivo mas não é ofensivo é muito mais improviso e criatividade. Basta um caderno e uma caneta para transformar uma diversão entre amigos em evento” , comenta, lembrando que as batalhas são todas organizadas em um caderno com o nome das pessoas que se propuseram a participar.