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No 3º pior país para morrer, falta entender o que é cuidado paliativo

Enfermeiro, Alexandre Ernesto Silva explica sobre relação entre cuidados paliativos e mais dignidade

Por Aletheya Alves | 06/10/2023 12:05
Enfermeiro e professor, Alexandre Ernesto Silva palestrou sobre cuidados paliativos. (Foto: Alems/Wagner Guimarães)
Enfermeiro e professor, Alexandre Ernesto Silva palestrou sobre cuidados paliativos. (Foto: Alems/Wagner Guimarães)

“Nos nossos currículos da saúde, não entendemos que tem doença que vai matar. A gente trata de algumas condições como se todos fossem imortais”. Apontando o Brasil como 3º pior país para morrer, conforme estudo de 2022, o enfermeiro e professor universitário, Alexandre Ernesto Silva, discute como sobre o fim de vida é um tabu que pode gerar mais dor e tirar a dignidade.

Especialista em cuidados paliativos, o enfermeiro participou do primeiro simpósio sobre o tema em Mato Grosso do Sul, nesta quinta-feira (5), realizado na Assembleia Legislativa de MS pela Fundação Miguel Couto e Secretaria de Estado de Saúde. Levando o assunto com uma série de provocações, Alexandre defende que falta de fato entender que a morte chega, que é necessário capacitar os profissionais da saúde e que, quando o fim de vida se apresenta, não é o momento de abandonar o paciente e sua família, mas sim de acolher.

Para quem desconhece o termo “cuidados paliativos”, o professor define: “é o conjunto de medidas capazes de promover melhor qualidade de vida à pessoa com doença que ameaça a continuidade da vida, por meio do alívio da dor e dos sintomas estressantes, utilizando uma abordagem que inclui o suporte emocional, social e espiritual”.

O problema, para o professor, é que essa definição segue sem ser realmente entendida até mesmo pelos profissionais de saúde. Citando exemplo de uma mulher que estava em seus últimos dias após realizar diversos tratamentos para câncer, o enfermeiro conta que escutou dos profissionais do hospital algo recorrente: “não tem jeito não, lá é cuidado paliativo”.

Apesar de ser uma expressão falada comumente, Alexandre explica sobre como essa ideia se vincula à morte sem dignidade. “Nossos cursos técnicos e superiores não ensinam sobre isso, para a pessoa que disse isso, se é paliativo significa que não é para fazer nada e tá tudo certo, no fim de vida tem que sofrer mesmo”, argumenta.

Enfermeiro explica que é necessário criar políticas públicas para atender ao fim de vida. (Foto: Alems/Wagner Guimarães)
Enfermeiro explica que é necessário criar políticas públicas para atender ao fim de vida. (Foto: Alems/Wagner Guimarães)

Contrastando com o “não fazer nada”, o professor defende que há muito a ser colocado em prática quando chega o momento dos cuidados paliativos. E, como primeiro passo, é necessário entender que o “fim” é parte do processo.

“Eu queria lembrar que a gente morre, nós somos mortais. Tem gente que morre antes da hora? Acredito que muitos, mas a morte é intrínseca. [..] O contrário da morte não é a vida, o contrário da morte é nascimento, nascer e morrer é um episódio, vida é o que tem no meio”, ele destaca.

Com isso em mente, o professor narra que esse processo, apesar de ser biológico, não é estudado como padrão falando do âmbito da saúde. De acordo com Alexandre, o Brasil é um país sem políticas públicas para doentes crônicos com doenças ameaçadoras da vida e, consequentemente, não possui ações que envolvam os cuidados paliativos.

Além de entender a morte como parte da existência, o enfermeiro defende que os profissionais da saúde, para acolher tanto o paciente quanto sua família, precisa ir além das prescrições de medicamentos.

“Não é só aumentar remédio nesse momento, é aumentar o acolhimento”, resume Alexandre. Em outro exemplo, ele narra que questionou uma paciente sobre o que dava sentido à sua vida, o que trazia alegria e a resposta foi simples: “cerveja”.

Escapando dos protocolos tradicionais que, em geral, envolvem manter o paciente dentro do quarto branco do hospital, em silêncio e, muitas vezes, sem vida emocional, a equipe se reuniu com os familiares para garantir a dignidade da mulher. “Ficamos um bom tempo com ela bebendo, o médico que a atendia também, os filhos, todos conversando. Hoje, já depois que ela morreu, os filhos comentam sobre como, apesar da morte, tudo pareceu ter sido feito de um jeito certo, de um jeito que ela se sentisse bem”.

Em resumo, traduzindo toda essa dinâmica, o professor comenta que os profissionais precisam tanto entender quando chega o fim, quanto saber “ouvir almas. Alma no sentido de ânima, daquilo que nos faz sermos nós. Cuidados paliativos não é deixar de fazer as coisas, de tratar, é dar suporte para que as pessoas consigam passar pelo o que estão passando”, diz.

Outro ponto destacado pelo enfermeiro é de que, muitas vezes, desejos, crenças e fés pessoais são replicados nos pacientes. E, como ponto de partida, é necessário ouvir o outro, não a si mesmo.

Como plano geral, as discussões levadas por Alexandre são traduzidas também em versos, para completar as reflexões. “Para ir ao Campo Santo, não me faça sofrer tanto. Morte, me mate sem dor”, poema de Patativa do Assaré.

“O medo das pessoas que têm doença grave não é de morrer, mas sim de como vão morrer. O medo não é da morte em si, é da falta de ar, da dor, de como seus filhos vão ficar depois que elas se forem”, diz Alexandre.

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