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Sabor

"Mata Fome" faz fama de restaurante que reúne histórias de gente sofrida

Baiano é o "talismã", segundo a esposa Eliete e parceira do negócio, aberto há 13 anos em frente à Santa Casa

Ângela Kempfer | 23/12/2022 08:56
Casal abriu lanchonete e restaurante há 13 anos em frente ao hospital. (Foto: Ângela Kempfer)
Casal abriu lanchonete e restaurante há 13 anos em frente ao hospital. (Foto: Ângela Kempfer)

Na foto, Baiano e a esposa Eliete aparecem meio tímidos, mas de retraídos eles não têm nada. Não gostam mesmo é de câmera, ficam meio sem graça. Mas na hora do trabalho, ninguém segura o casal. Eles montaram um supertime, que só faz a empresa crescer na Rua 13 de maio, em frente à Santa casa.

O ponto é estratégico pelo fluxo de clientes, mas também rende muitas histórias de gente sofrida, que passa os dias ali, tentando abrir o apetite enquanto espera algum parente ter alta. "É verdade, mas nesses 13 anos que estamos aqui, tem também o outro lado, quando alguém sai curado dali e vem contar, comemorar e vira cliente", diz Eliete.

A equipe é formada pelo casal, os três filhos e o genro, além de funcionários fiéis desde o início e outros que "vem e vão", diz a patroa. "A gente sabe que eles têm problemas, então perdoa, porque são bem trabalhadores. Então aceitamos de volta", justifica.

Mata Fome é o mais procurado no lugar, uma versão do pão italiano. (Foto: Ângela Kempfer)
Mata Fome é o mais procurado no lugar, uma versão do pão italiano. (Foto: Ângela Kempfer)

A lanchonete abre cedo e das 6h às 18h vende em média seis garrafas cheias de café e dezenas de salgados. O rei, entre todas as opções, é o "Mata Fome", o apelido de um pão italiano diferentão e enorme. São 50 por dia, com preço que é uma "benção": R$ 4,00. "Tiramos a cebola e o tomate, porque muita gente não gosta. Mas ele é grande porque tem de alimentar mesmo", explica Eliete, a responsável pela cozinha, do café da manhã ao almoço, que serve prato feito ou marmitex.

Entre tantas coisas já ouvidas por ali, um dos casos mais dramáticos é da própria dona. Quem conta é o marido. Baiano cruza os braços e muda o semblante feliz e risonho ao lembrar dos 55 dias em que a mulher ficou intubada por conta da covid em 2020. "Ela ficou longe, só tinha vaga no Pênfigo. Ficamos revezando, cada um tinha 15 minutos de visita. Eu via ela definhando", detalha.

Em um tempo em que traqueostomia era como sentença de morte, a família garante que nunca perdeu a fé. "A esperança sempre foi grande e olha ela aí, do meu lado, forte, tocando o negócio, porque isso só funciona por causa da força dela. Por mim eu não teria abrido isso aqui. Ela quem incentiva", diz o marido casado há 27 anos e apaixonado até hoje. Se ela é o "carro-chefe", em retribuição, Eliete lembra que Baiano é o "talismã" do lugar.

Eliete mostra as marcas da traqueostomia que ficaram após 55 dias de covid. (Foto: Ângela Kempfer)
Eliete mostra as marcas da traqueostomia que ficaram após 55 dias de covid. (Foto: Ângela Kempfer)

Até pelo grupo de WhatsApp da "Lanchonete e Restaurante Bom Apetite" as histórias vão aparecendo, com gente pedindo orações, compartilhando promessas... "Fazemos muitas entregas ali e acabamos trocando esse tipo de mensagem, ajudando sempre que podemos", diz a proprietária,

Segundo ele, certo dia, ela sentiu necessidade de sair da cozinha e ir até a porta, abraçar uma senhora triste que estava no bar. "Depois ela voltou e agradeceu, disse que naquele dia tinha perdido o marido. Ela me disse que antes de eu chegar ela estava, justamente, pensando que precisava de um abraço".

Mas o outro lado é da cura, da felicidade, das pessoas que conseguem sair vivos do hospital, apesar de anos de medo. "Um senhor ficou 2 anos tratando câncer. Se curou e virou cliente", conta Eliete.

(Foto: Ângela Kempfer)
(Foto: Ângela Kempfer)

Em 85, Baiano pegou o ônibus rumo a São Paulo, onde trabalhou por um tempo. Tinha primos em Campo Grande, veio conhecer a cidade e ficou, empregado na Viação Cidade Morena, onde permaneceu por 18 anos.

Cobrador de ônibus, um dia foi apresentado a Eliete, casou, começou a empreender e formou o casal "Talismã e Carro-chefe", brinco. "Porque uma andorinha só não faz verão", completa o marido.

"Os dias que fiquei no hospital ele ficou aqui chorando, com saudade do 'Carro-chefe' dele", responde a esposa.

Ela com 45 e ele com 56 parecem a dupla perfeita. Começaram ali na esquina da 13 com a Rua General Melo quando o caçula tinha apenas 3 aninhos. Agora já contabilizam dois netos e nenhuma vontade de se aposentar. "A gente faz tudo aqui, produção própria. Já fez amigos, alimenta o povo que muitas vezes chega aqui sem esperança. Se eu sobrevivi à covid, é porque ainda não cumpri toda minha missão", avalia Eliete.

Eliete no comando da cozinha fritando batatas. (Foto: Ângela Kempfer)
Eliete no comando da cozinha fritando batatas. (Foto: Ângela Kempfer)

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