Vatapá da Vó Brandina é receita para juntar pessoas até nascer histórias de amor
Quando em Bela Vista não se encontrava camarão fresco, a saída para matar as saudades da Paraíba foi adaptar a receita. O vatapá que seu Félix trouxe do Nordeste virou prato pelas mãos da esposa, Brandina, e receita pelos dedos da nora, Zuleica. Na família há décadas, até hoje é o vatapá que une os Gabínio ao redor da mesa.
"Meu pai veio da Paraíba e chegando aqui, de certo, ele teve saudade das comidas, quis fazer e não tinha todos os ingredientes", acredita o filho do casal, seu Alseu Loureiro Gabínio, hoje com 79 anos.
O pai, Félix, veio para o Estado servir o Exército e aqui conheceu Brandina, de família bela-vistense. "Como não tinham condições de ter camarão fresco, ele substituiu a receita por camarão seco e aí minha mãe foi fazendo e acomodando ali a situação", completa.
Só que dona Brandina não tinha medida de nada. Era no "olhômetro" que montava o prato. "Ela fazia de cabeça, então para a gente aprender, eu que era nora, era difícil, porque ela ia pondo. Um dia a chamei para almoçar na minha casa e enquanto ela fazia, eu pegava a medida e anotava ligeiro", conta Zuleica Souza Gabínio, de 79 anos.
Quando dona Brandina saiu, a nora juntou o que havia escrito e sistematizou a receita em medidas. Testou e repassou para a família. E neste domingo, foi o prato que reuniu parte da família, mas a estreia na cozinha foi de Maura, neta de Brandina e que não só fez questão de aprender, como também digitalizou a receita e imprimiu para toda família.
"Eu queria deter esse conhecimento para passar depois. Só a tia Zuleica quem sabia fazer. Foi uma emoção muito grande", descreve a administradora Maura Gabínio, de 59 anos.
A receita é a original da adaptação do casal de avós, mas que nas mãos da neta ganhou um pouquinho de poesia.
"Esta é uam receita de família e para nós, a turma dos Gabínio, um verdadeiro legado. Tudo começou com um jovem paraibano chamado Félix Gabínio da Costa Machado que veio parar em Bela Vista, Mato Grosso do Sul, e lá encontrou sua alma gêmea, a Brandina Loureiro, que depois virou Gabínio.
Desse caso de amor nasceram: Tereza, Antônio, Gabínio Mauro e Alseu e esses contraíram matrimônio respectivamente com Gélio, Honorina, Jurema, Daisi e Zuleica. A família começou a aumentar e assim a Gabinada cresceu e vem se multiplicando...
Hoje alguns já estão em outra dimensão, e nós aqui, continuamos nos reunindo em torno dessa comida que alimenta muito mais que o corpo físico, alimenta a alma, pois em torno do seu preparativo, vem a lembrança de como tudo começou, das pessoas que amamos e a vontade de ficar junto com quem queremos compartilhar, relembrar e dividir esse momento.
Esta receita já é adaptada para mais ou menos 20 Gabínios, o que significa almoçar, jantar e perguntar para a dona da casa se pode levar um pouquinho para quem, por algum motivo muito justificado, não pode estar presente".
Maura, que já aprendeu a receita com a tia, tratou de contar junto dela a história de família. "Eu entreguei uma cópia da receita para as tias e primos, para passar para frente", afirma. Até então, ninguém dividia a tarefa com dona Zuleica.
Neta dela, Deborah explica que o prato é para reunir os familiares. "Sempre que tem aniversário de algum Gabínio ou Dia das Mães, é a receita que une todo mundo", comenta a publicitária Deborah Gabinio Paraná, de 29 anos. A mãe emenda "e quando faz, já chama todo mundo para aproveitar", diz Rita de Cássia Gabínio, de 54 anos.
Dona Brandina fez o prato até os últimos meses de vida e morreu com 87 anos, 22 anos atrás. E se o gosto muda? A família afirma que sim e explica o porquê. Além da facilidade em encontrar os ingredientes, quando o vatapá vai para a panela, a receita é feita na medida dos convidados. Ao contrário do que acontecia na casa de vó Brandina.
"A vovó, na casa dela, além dos filhos e noras, iam sobrinhos. Então eu acho que ela ia aumentando a receita no meio, para aquele monte de gente. Ela fazia milagre, a comida que era para 20, virava 40", brinca Rita.
O segredo do vatapá é, segundo a família, o pão amanhecido, comprado no dia anterior. "Eu comprei ontem, deixei para descansar. O pão dela, coitadinha, ela comprava no dia, então era muito difícil de descascar, porque não pode ter nenhuma casquinha", explica a nora Zuleica.
Ao final da receita impressa e que agora está com toda família, o pedido é um só: elevar o pensamento aos donos do prato, seu Félix e dona Brandina. "Envie um pensamento de amor ao vô Félix e à vó Brandina e compartilhe com quem gostar e quiser aprender, para que esta comida continue aproximando as pessoas e quem sabe, desses encontros nasçam outras estórias de amor tão duradouras quanto a nossa".
E de brincadeira, Zuleica diz toda vez que vai para a cozinha: "vó Brandina, vou fazer o vatapá, a senhora pode vir me ajudar!"