Apesar de falha em registro, veja em qual cidade pessoas mais engolem veneno
Em 17 anos de monitoramento, o Estado registrou 4,1 mil casos de pessoas doentes por conta de agrotóxicos
Servidores públicos de diferentes poderes percorrem estradas vicinais, na tentativa de reprimir o uso indiscriminado de agrotóxicos e, consequente, contaminação de água, terras e pessoas que vivem em Mato Grosso do Sul. Apesar dos esforços, especialistas alertam para as subnotificações por falta de registros dos casos no sistema do Ministério da Saúde.
RESUMO
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O texto aborda a problemática do uso indiscriminado de agrotóxicos em terras indígenas no Mato Grosso do Sul, destacando a Operação Xapiri, que visa fiscalizar e reprimir essas práticas. Apesar das ações do Ministério Público Federal e outras instituições, há uma subnotificação significativa de casos de contaminação, com mais de 4,1 mil registros desde 2007, sendo 2023 o ano com mais ocorrências. A pesquisa revela que muitos produtos utilizados são proibidos na União Europeia e que a contaminação afeta a saúde das comunidades indígenas, como evidenciado por um caso em que a comunidade Tey Jusu foi indenizada por danos ambientais e morais devido à pulverização aérea de agrotóxicos. Além disso, a falta de um sistema eficaz de notificação e a ausência de planos de ação agravam a situação, evidenciando a necessidade de políticas públicas mais robustas para proteger a saúde e os direitos dessas populações.
De acordo com o painel VSPEA (Vigilância em Saúde das Populações Expostas a Agrotóxicos), que reúne os registros feitos desde 2007, são cerca de 4,1 mil notificações. Em 17 anos, 2023 foi o pior, com 359 casos, quase um por dia, em média.
Do total de casos registrados em Mato Grosso do Sul, entre produtos agrícolas e domésticos, 1,4 mil foram contaminações por uso na agricultura; 1,2 mil por raticidas, menos de 800 por agrotóxicos de uso doméstico e 680 por produtos veterinários.
No ranking por município, proporcionalmente a cidade com maior incidência é Laguna Carapã, com 51,55 a cada 100 mil habitantes, e Paraíso das Águas, com 48,85. As mais afetadas são terras indígenas.
Mesmo trazendo índices nos 79 municípios, apenas 15 deles priorizaram a implantação do sistema de vigilância dos casos de contaminação por agrotóxicos. Ainda assim, nenhum apresentou um plano de ação para resolver a situação.
Para a cientista política e pesquisadora da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados), Katiuscia Moreno Galhera, existe uma ausência generalizada de informações corretas sobre as pessoas contaminadas por agrotóxicos, que deveriam ser colocadas no Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação).
"Pudemos notar que não existe o costume de preencher o Sinan para notificar os casos de contaminação aguda, mesmo quando sabemos que uma determinada comunidade foi contaminada porque tivemos contato com pessoas que nos apresentaram outras evidências, por exemplo, pulverização próxima de agrotóxicos", destaca a pesquisadora.
Katiuscia reforça que "o ideal é que seja preenchido no atendimento médico para que possa existir uma notificação correta junto ao SUS e se possa fazer corretas políticas públicas no tema".
Terras indígenas violadas - Um artigo publicado na Ciência & Saúde Coletiva, produzido por oito acadêmicos com atuação no Estado, com o título "Agrotóxicos e violações nos direitos à saúde e à soberania alimentar em comunidades Guarani Kaiowá de MS", foram encontrados 22 ingredientes ativos (IAs). Destes, 41% causam efeitos graves à saúde e 68% são proibidos na União Europeia.
Amostras de água foram coletadas nas aldeias Jaguapiru e Guyararoká, que ficam em Dourados e Caarapó. Nas amostras de água superficial foram encontrados 16 IAs, nas amostras de água de abastecimento, 12 IAs, enquanto na água da chuva foram encontrados 17 IAs. Os IAs mais frequentes foram: Fipronil, detectado em 68,8% das amostras, 2,4-D (62,5%), Clomazona (56,3%), Atrazina (50,0%) e Diuron e Simazina (43,8%).
Na Guyararoká, em 2024, o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) denunciou o despejo de agrotóxicos por meio de pulverização aérea. Um avião sobrevoou a comunidade e pulverizou produtos. A chuva tóxica atingiu moradias, a escola e áreas de circulação dos indígenas no tekoha – como é chamado o território tradicional.
Ações em 2024 - A Operação Xapiri, que envolveu servidores do MPF/MS (Ministério Público Federal em MS), Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Iagro (Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal) e a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), no mês de dezembro, fiscalizou terras indígenas dos municípios de Dourados, Caarapó e Juti.
Foram identificadas irregularidades como o armazenamento e descarte incorretos de agrotóxicos, com destaque para a apreensão de 320 litros de produtos com prazo de validade vencido. O instituto aplicou duas multas totalizando R$ 150 mil por informações falsas nos sistemas de controle.
Além disso, 20 notificações foram registradas, e foram lavrados 10 autos de infração por armazenamento inadequado de agrotóxicos, sete por não conformidade com as normas de depósito (NBR 9843-3 da ABNT), e seis por descarte irregular de substâncias químicas.
É importante destacar que, no mês de outubro, a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) reconheceu o direito da comunidade indígena Tey Jusu, de Caarapó, a ser indenizada por danos ambientais e morais coletivos. Essa comunidade sofria com a pulverização aérea de agrotóxico em lavouras de milho, atingindo moradias, em desacordo com as normas ambientais.
Na decisão, o proprietário da fazenda, o produtor rural responsável pela contratação do serviço, a empresa contratada e o piloto responsável pela dispersão do fungicida foram condenados ao pagamento de R$ 170 mil à comunidade indígena, para reparação do dano ambiental, e R$ 50 mil por danos morais coletivos.
Ainda naquela região, que também abrange Juti e Itaporã, são as que possuem as frutas e vegetais mais contaminados pelos defensivos agrícolas, conforme levantamento do Para (Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos), da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Abacaxi e laranja estão no topo da lista de frutas com mais resíduos.
A reportagem do Campo Grande News questionou a SES (Secretaria Estadual de Saúde) pelos canais de comunicação da assessoria de imprensa, quais os trabalhos desenvolvidos para atender as vítimas deste tipo de intoxicação e/ou planos de ação. A resposta está sendo analisada pela equipe técnica da pasta, mas até a publicação dessa matéria não houve retorno. O canal está aberto para esclarecimentos.
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