Em rotina de explosões, casas racham com atividade mineradora em Bodoquena
Moradores de assentamento acusam mineradora da família do prefeito de exploração sem respeito à comunidade
“Quem morre de explosão é aquele povo lá dos Estados Unidos”. A frase é seguida por um sorriso tímido, motivado pela percepção da analogia feita de forma criativa. Mas no caso dela, mesmo que a morte não chegue, os prejuízos são muitos.
Aos 74 anos de idade, dona Ana de Souza, agricultora, pensa em se mudar da casa onde chegou há quase 30 anos, hoje com a estrutura abalada pelas tais explosões vindas da mineração. Simples, a residência fica em um dos lotes do assentamento Campina, em Bodoquena, a 246 km de Campo Grande.
A região é cercada por três lavras (locais de onde são retirados os minérios), de três empresas diferentes, mas a vontade de não estar mais ali, é causada pela lavra de calcário dolomítico (que corrige acidez do solo) de apenas uma dessas empresas, a da Mineração Horii Agro, administrada pela família do prefeito de Bodoquena, Kazuto Horii (PSDB), ou só Kazu Horii.
Parada ao lado da passagem entre a sala e a cozinha, ambos os cômodos tomados pelo cheiro de feijão no fogo e pelo volume alto da televisão, a idosa aponta para uma rachadura na coluna superior da casa, que ela acredita ter sido causada pelas implosões da mineradora. “São umas tremedeiras assim que chacoalham tudo”.
Ana explica que, com o tempo, foi crescendo o medo de algo pior acontecer, como por exemplo, cair alguma parede. Por isso ela está em vias de se mudar para outro lote, em outra região, mantendo o local onde mora agora apenas como espaço para agricultura.
O lote do assentamento mais próximo à lavra da Horii, com distância em linha reta de cerca de 1.500 metros, é o “Recanto Busca Pé”, do também agricultor Alex Lima de Albuquerque, de 52 anos. Ele vive com a esposa, Silvia Mara, de 50 anos.
Alex tentou ser uma pedra grande no sapato da Horii, mas acabou virando um pedregulho, cuja voz não ecoou muito longe. Com ar resignado, uma pasta vermelha na mão, sentado em uma cadeira de fio, ele conta todo o caminho percorrido até ali em sua batalha solitária.
Após a titulação dos lotes do assentamento Campina, ainda sobrou uma área de reserva sob responsabilidade do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). É nesta área que está instalada parte da lavra da Horii e onde a empresa precisou iniciar algumas das várias licenças necessárias.
Além da área remanescente, a Horii consultou o Incra sobre a possibilidade de remanejar moradores de três lotes, dois já com titulação de domínio, e um que estava no processo, o lote 20, justamente o lote de Alex.
Sabendo disso, Alex deu início a um abaixo-assinado em que questiona três pontos: a autorização em área de reserva, a proximidade da lavra com a nascente do Rio Campina, assim como a proximidade com as cavernas nos morros da reserva e a perturbação causada aos moradores pela atividade.
“Eu saí coletando assinatura porque eles queriam tirar a gente daqui. Além disso, nós assentados não temos o direito de tirar uma folha daí, agora eles podem vir aqui a acabar com tudo?”.
No ofício de autorização, o Incra autoriza a lavra, mas ressalva a necessidade das demais licenças ambientais. Sobre os lotes, o documento informa à empresa que cabe a cada proprietário negociar a venda do lote.
O abaixo-assinado teve adesão de parte dos assentados e foi anexado à única tentativa formal de barrar a exploração naquela área, uma denúncia no Ministério Público Federal em 2018. A denúncia não avançou e foi arquivada sob a alegação de que a exploração do uso do solo é uma prerrogativa da União, portanto ela concede a quem ela quiser, dentro dos requisitos legais.
A casa de Alex também sofre com rachaduras, supostamente causadas pela Horii. O vidro da porta de entrada está trincado. A esposa, Silvia, guia a equipe de reportagem até a parte de dentro da casa onde outras pequenas rachaduras aparecem. “A gente reforçou toda casa, o piso aqui está oco por conforme vai tremendo, vai ficando frouxo”, diz Silvia.
O rio que dá nome ao assentamento, o Rio Campina, passa pela propriedade de Alex. Já a nascente, como dito, fica próxima à lavra. O receio é que as implosões causem um veio, por meio do qual a água da nascente se esvai, causando o desvio do curso do rio. “Se abre um veio aí a água vai embora e esse rio aqui pode acabar”, lamenta.
Pertinho do lote de Alex, está a propriedade de Ivanete Lima dos Santos, de 56 anos. Ele abriga duas casas, dela e da filha, sendo esta segunda construída há pouco tempo. O lote de Ivanete também era pretendido pela Horii.
De novo, as mesmas reclamações: rachaduras, barulho alto e poeira. “Isso aqui vai cair qualquer hora na cabeça da gente. As janelas tremem tudo”, diz ela apontando para uma rachadura na parede.
Ela nos leva até a casa da filha, onde um cômodo recém feito está rachado. “Essa peça ela recebeu um acerto do último emprego e fez e já tá assim ó”.
Desconfiado, outro assentado, que não quis se identificar, atende a reportagem. Para este, paredes rachadas não é problema, já que a casa é majoritariamente de madeira. A questão maior é a poeira.
Já idoso, com 67 anos, sofrendo de tuberculose, ele não pode ficar fora de casa nas horas subsequentes às implosões. Inclusive, chama atenção, ao fundo, um cilindro de oxigênio na fixado a parede. “Levanta muita poeira aí, tenho que ficar na parte de dentro por conta da respiração".
Mesmo a casa sendo de madeira, ele alega ter dano à estrutura. “Essa tremedeira das bombas abriu uma fresta no teto e quando chove, tem goteira.
O Campo Grande News entrou em contato com a Mineração Horii Agro para que a empresa pudesse se manifestar em relação a todas as reclamações dos moradores.
A Horii alega ter conhecimento destas reclamações, mas nega sua atividade cause os problemas relatados. “As implosões são efetuadas por uma equipe altamente qualificada, treinada e certificada para tal processo, projetada e executada por uma das mais bem conceituadas empresas do brasil (Enaex Britanite), com controle absoluto. Todo o processo de planejamento, preparo, logística, segurança e execução é comunicado e supervisionado pelo orgão fiscalizador: Exército Brasileiro. Os efeitos paralelos, como barulho e poeira, obviamente acontecem, mas dentro dos padrões estabelecidos pelos orgãos fiscalizadores, e se dissipam naturalmente sem qualquer consequência”.
Sobre as rachaduras causadas pelos tremores, a empresa chama as denúncias de “inverídicas”. “São comprovadamente inverídicas, pois, embasado em monitoramentos internos e serviços de sismologia contratados de empresas especializadas com sondas de medição e monitoramento, instaladas no entorno da área de implosão, inclusive instalado em vários dos lotes do assentamento campina (com presença dos próprios proprietários), confirmando-se a total segurança do processo.
A empresa também se defendeu das acusações de negligenciar, o cuidado com as cavernas. “ Todas as cavernas naturais com valor arqueológico ou que afetem a biodiversidade local são mapeadas, classificadas e catalogadas pelo Imasul/Semadesc, justamente para que haja a sua preservação”.
O Campo Grande News procurou o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul para verificar se há fiscalização na região, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
Apesar de não fazer mais parte do quadro societário da Horii, toda a diretoria da empresa é composta por familiares de Kazu Horii, o prefeito de Bodoquena. Ele está em seu segundo mandato consecutivo. Tanto a empresa quanto o próprio prefeito negam que se beneficiam do poder político para atuar a margem da legislação.
“Kazuto Horii deixou a administração da Horii Agro industrial, e de todos as empresas do grupo, desde a data legalmente exigida pela lei eleitoral do Brasil, conforme constam em todos os contratos sociais e devidamente registrados nos orgãos competentes”, disse a empresa.
Kazu não preferiu não dar entrevista, mas se manifesto por meio da assessoria da prefeitura. “Departamento de Meio Ambiente da Prefeitura de Bodoquena tem total liberdade para atuar dentro de suas competências. Neste caso, a equipe realiza monitoramento das licenças necessárias para operação das mineradoras. Em relação ao Assentamento Campina, o local foi instituído em 1997 enquanto a mineradora em questão, está em operação desde 1977. O desenvolvimento da região gerou o conflito, porém a Prefeitura não tem poder para atuar na revisão de leis e licenças, diante desta realidade”.
Na verdade a empresa Horii atua desde 1977, porém a lavra na reserva do Incra, foco do conflito abordado nesta reportagem, é bem mais recente, de 2018.
Confira a galeria de imagens:
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